Sempre perto do centro

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“Mostre-me, então, o que você já fez” , ele disse.

Engasguei.

Congelemos essa cena. (Tudo o que eu queria naquele momento, aliás, era congelar o tempo para conseguir responder algo aceitável e escapar da saia justa.)

Para chegar até aquela cadeira diante daquele homem, eu tomara a ponte aérea, deixando para trás uma São Paulo ensolarada para desembarcar num Rio de Janeiro absolutamente glorioso. Céu de brigadeiro. Ao longo do vôo e durante o percurso de táxi fotografei tudo como um turista embasbacado.

Voltemos ainda mais a fita. Naquela manhã peguei meu carro e dirigi feliz da vida pela Avenida Paulista (onde moro) até o aeroporto de Congonhas, que adoro desde menino. Voltando mais: anos atrás comprei esse apartamento tão central, tão perto de tudo o que gosto.

Se rebobinarmos a fita toda, veremos um menino de óculos passando sua infância toda no centro de São Paulo, e ficando para o resto da vida viciado em metrópoles, em caos, em multidão.

Mesmo tendo a balbúrdia por berço demorei pra entender a história do “avesso do avesso do avesso do avesso” que o Caetano adivinhou. Hoje sei que essa cidade não tem fachadas, tem só avesso. Circulamos por artérias, habitamos as entranhas da baleia, somos cidadãos da casa das máquinas.

Coincidência ou não, minha trajetória no métier interativo foi um metrô: mais tempo em subterrâneos tortuosos e semi-acabados do que em trechos aéreos. Mais tempo na cozinha do que na sala de estar. Mais tempo entre soldados do que entre generais. E é assim que eu gosto, é daí que vem um sotaque chulo mesmo quando falo bonito.

Cidades… Cristo vela pelo Rio, mas quem vela/zela/gere minha cidade? Engenheiros fariam mais minhocões, publicitários achariam mais lugares para anúncios, políticos continuariam a loteá-la, filósofos entrariam em pânico, militares colocariam tanques na rua, urbanistas atolariam no manguezal de interesses.

E a internet? Quem vela e zela por essa super-metrópole, onde qualquer pagineta é o vértice de diversos fluxos e abertura para tantos outros? Quem a salva de degringolar, quem a mantém livre de bandidos e vândalos, quem garante que o tráfego flua, que ela continue humana e digna?

Ninguém e todos, creio eu. Mesmo que publicitários e de homens de negócios apitem tanto sobre internet, eu ainda insisto em questões que transcendem os banners ou o e-business, questões que fazem, a meu ver, mais justiça à capacidade de integração que está no genoma dessa plataforma.

Questões como estas, relativas a planejamento: como delinear uma estratégia que crie sinergias entre fluxos de contato offline online? Como desenhar timelines que dêem conta de aspectos síncronos e assíncronos, em que os passos de ações two-steps aconteçam em múltiplos canais de resposta? Como garantir que as informações colhidas convirjam para uma base de conhecimento e retro-alimentem a estratégia?

Ou como estas, relativas a criação: como desenhar um projeto realmente centrado nas necessidades do usuário? Como inovar sem comprometer a usabilidade? Como domar veleidades criativas, idiossincrasias técnicas e imperativos do cliente?

Relativas a projeto: como garantir que criação offline online não divirjam ao longo do tempo? Como garantir que criativos e tecnólogos trabalhem em sintonia? Que documentos e processos são necessários? Como implementar tecnicamente as condições de mensurabilidade planejadas? Como fazer com que todos aprendam com os resultados (bons e maus)?

Integração e sinergia são a chave para parir projetos que gerem integração e sinergia. Isso eu aprendi.

Se eu sei fazer isso? Cada vez mais, e cada vez menos. Como numa cidade, quanto mais a conhecemos, mais ela se desdobra e apresenta outros segredos, novos encantos e velhas chagas. Ainda tenho muito mais perguntas do que respostas.

Descongelemos aquela cena. Gaguejando bastante, hesitando, pensei em dizer que havia pouco o que ver, que meu trabalho era mais de bandeirante do que arquiteto da corte, mais de obstetra do que de cirurgião plástico.

Pensei, só. Na hora acabou saindo uma confusão qualquer, mas por sorte ele soube pescar aqui e ali sinais de que estávamos no mesmo front, que tínhamos abraçado a mesma causa. Causa meio inglória, sem muito glamour, mas nobre. Acho que nos entendemos, por fim.

Sendo muito sincero, nem sei se essa é a melhor causa, nem se venho fazendo as escolhas certas. Mas quem é de Balança é assim, fica sopesando as coisas, e talvez por estar perto do trigésimo-sétimo aniversário, relembrando Sampa, alguma coisa acontece no meu coração.