Ver o mundo pela TV pode ter outros efeitos colaterais, como achar que a reprodução de pássaros canoros está ligada à colisão entre bolas de boliche e cabeças distraídas, ou que o máximo que pode acontecer se um piano de cauda despencar sobre você é um sorriso com sustenidos.
Curioso mesmo é que na vida real eu nunca tenha visto uma bigorna caindo, nem… um taxidermista. A julgar pelo número de desenhos em que o Picapau escapa de ser empalhado deveria ter um taxidermista em cada esquina, ao lado das barbearias com aqueles enfeites listrados girando.
Mas tem algo que eu vejo direto na TV e encontro de vez em quando na vida real: esteiras. Não, não faltou um B, se bem que Besteiras não faltam dos dois lados. Estou falando de esteiras mesmo, aquelas maravilhas motorizadas que têm sempre um saradão feliz correndo em cima, threadmills computadorizados e possantes. Na academia tem várias, e só não as vejo tanto porque meu esporte predileto é gym sponsoring, categoria senior.
Essas esteiras maravilhosas me fazem pensar, inevitavelmente, em internet. Juro.
Já vi esse filme: você acha que uma esteira daquelas vai mudar sua vida, e traz o trambolho pra casa. No primeiro capítulo você apanha feio pra programar o monstro, no segundo você escorrega e quase morre, no terceiro ela vira cabide e, no final, termina num canto escuro da garagem.
Não sei se você notou mas, mutatis mutandi, essa é a história de muito site, núcleo interativo ou mesmo “cara de internet” por aí. A história começa com um esperançoso “agora sim!”, o sinal de uma guinada radical, a expectativa de resultados milagrosos. Depois de meses suando e correndo no mesmo lugar (a maldição das esteiras) você será ou encostado ou… devidamente defenestrado.
Esteiras não têm como se defender do ostracismo, mas você tem. Antes de subir ao pedestal e aceitar seu papel de “agente de mudança” olhe bem nos olhos do cliente e veja se ele tem cara de “gente de mudança”: ele vai bancar as mudanças necessárias para que o projeto interativo funcione? Ele tem idéia, aliás, do que tem que ser mudado para que as coisas efetivamente tragam resultados? Se ele estiver achando que a tua mera presença vai mudar o mundo por osmose, a primeira coisa que
você vai ter que mudar… é essa idéia fantasiosa.
Colocar a internet no seu devido lugar não é fácil. A mídia, os
eventos, os gurus, todos eles douram a pílula, todos cobrem a internet de glamour e, se você falar de internet de uma maneira ponderada e racional, vão achar que você é visionário… de menos. E quem dá ouvidos a um profeta que traz mais perguntas que respostas?
Se o teu candidato a patrão/cliente/sócio estiver empolgado demais, ajude-o: faça-o respirar fundo, com calma, e veja se ele consegue responder a algumas perguntas básicas:
– de que maneira o projeto interativo se encaixa na empresa/estratégia/negócio?
– que resultados ele espera?
– quanto tempo ele está disposto a esperar (e conseqí¼entemente gastar) pelo resultado?
– o projeto terá o suporte necessário, desde apoio político até ajuda braçal?
– caso o cenário geral mude, o que acontece com o projeto e com você?
– caso o projeto dê certo, qual será a evolução e como ela te inclui?
Está abstrato demais? Então vou “tangibilizar”: imagine uma agência de propaganda. Imagine que ela nunca “fez internet” e que, por um golpe do destino, cai no colo dela um mega cliente online. A agência vê você como o Messias que vai fazer “O” milagre: levá-la em um salto para o digimundo dourado.
Agências seduzem, eu sei – esse é o seu business, não? – mas ponha a tentação na balança e repasse aquelas perguntinhas todas. O nirvana que te prometem é sólido ou o dia que o tal cliente online zarpar você sobe no telhado?
Pense, e pense bem. Não sei como é em Marte, mas por aqui se você correr, correr e não sair do lugar, ninguém vai te manter como enfeite 😉