A internet jam-session

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Que Beethoven não nos ouça, mas talvez
ele não tenha sido tão genial assim. Ao menos foi o que aprendi escutando
uma entrevista bárbara outro dia com um professor de música.

Beethoven se dava ao luxo de escrever,
reescrever, rabiscar, rascunhar e ir lapidando suas partituras até
o ponto em que estivessem redondas, perfeitas, insuperáveis.
 

O contraponto a isso é outro tipo de
genialidade: um pianista de jazz (Bill Evans foi o exemplo, Bill Evans
que eu adoro) improvisa o tempo todo, em tempo real, sem tempo de voltar
atrás e alterar o que ficou registrado para todos os tempos pelo microfone
implacável.
 

Bom ouvir isso, não? Improviso é nosso
nome do meio, improviso sempre foi nosso pulo do gato.
 

Well, seria um bom pulo-do-gato
se caíssemos sempre em pé. Ou se tivéssemos sete vidas. Vai ver é
por isso que desenvolvemos outra tecnologia interessantíssima, o “levanta-sacode-a-poeira-dá-a-volta-por-cima”:
para dar algum charme que seja a tombos esborrachados.
 

A nossa arte de disfarçar tombos se
tornou tão elaborada que nem percebemos mais a variedade de estilos,
nem notamos mais inovaçõs fantásticas na arte de pisar na bola.
 

Eu mesmo já apresentei para vocês
diversas gafes invisíveis: projetos que caem no brejo das especificaçoes
vagas, prazos que viram fumaça na mágica das promessas incumpríveis,
etc., etc., etc.
 

Hoje tenho a honra de apresentar a vocês
um novíssimo e modernérrimo super-vilão: o picadinho 2.0.
 

A receita é simples, vocês encontram
os ingredientes prontinhos no mercado:

  • Soluções em diversos sabores,
    pré-cozidas e… gratuitas
  • Designers frilas já acostumados
    a trabalhar picadinho
  • Programadores frilas que
    fazem projetos como o teu com um pé nas costas
  • Um arsenal de ferramentas
    bacaninhas para garantir que esse povo disperso no espaço e no tempo
    consiga se misturar: Gmail, Basecamp, Google Docs, MindMeister, etc.

 
 

Pronto! Nunca foi tão fácil “cozinhar”
internet e… ter uma dor de barriga das boas. Algo como “faça
você mesmo seu piriri”. E aí entra a tremenda originalidade,
o segredo da invisibilidade do vilão picadinho 2.0: se ficou
ruim, a culpa não é de ninguém.
 

Ok, como sempre estou carregando nas
tintas. É bem possível que fique razoável. Mas para ficar genial
pra valer falta algo que ainda não tem nome, algo que em outro tipo
de parto, o parto de verdade com parteira e tudo, aquele que botou no
mundo geraçõs e geraçõs de seres humanos, se chama… Doula.
 

(Um detalhe: estou escrevendo esse texto
offline
, sem acesso a wikipedias ou similares, portanto vou ter
que dar uma de Bill Evans e improvisar sem chance de corrigir qualquer
vacilo. Confira se Doula se escreve assim mesmo, por favor).
 

Doula, segundo uma grande amiga
versada em partos, é um personagem tradicional na cultura russa que
tem como papel fundamental dar apoio ao parto. Não, ela não faz

o parto, quem faz é a parteira. Ela simplesmente garante que a mãe
se sinta segura, amparada, assistida, sobretudo porque o pai nessa altura
ou desmaiou ou mijou nas calças.
 

Em projetos grandes as Doulas
têm nomes bonitos: gerentes de projeto certificados por PMI, líderes
black-belt
de gerenciamento de mudanças, business analysts
e bla-bla-bla. Mas no mundo do picadinho 2.0, nesse buffet self-service
de coisas pré-mastigadas… quem garante que nasça um belo bebê interativo
e não um jovem frankenstein feito de partes mal-encaixadas?

Nesse cenário onde qualquer um pode
invocar os poderes de designers e programadores autônomos e remotos,
quem garante que alguma mágica ocorra?

Ficou fácil comprar as peças avulsas…
mas quem disse que o cliente sabe montar o brinquedo? Não olhem pra
mim, não fui eu não 🙂
 

Mea culpa, eu deverita ter dito.
Eu venho falando há anos sobre projetos “clássicos” tipo
Beethoven, onde primeiro se cria uma belíssima partitura/documentação
para só então chamar a orquestra e seu maestro. Faltou eu dar alguma
pista pra internet jazzística, a internet improvisada por pequenos
ensembles
de talentos únicos, essas jam sessions
remotas e assíncronas. Mea culpa.
 

Eu dou uma pista, então: o improviso
absoluto é um mito. Jazzistas praticam muito, grupos ensaiam muito.
Ninguém é doido de gravar algo sem preparo algum.
 

Uma Doula
ajudaria? Alguém que segurasse na mão do cliente na hora do parto,
alguém que ensaiasse o site, testasse, apontasse melhorias, alguém
que poupasse o cliente dos erros mais crassos? Talvez sim.

Eu já fiz esse papel, con mucho
gusto
. E sei que fez/fiz diferença. Quem sabe vocês não viram
e-Doulas on-demand
também?
 

Ficou curioso sobre o Bill Evans? Procure
pelo álbum Conversations with Myself, com gravações caseiras
do gênio ensaiando sozinho, ensaiando, improvisando, ensaiando. Genial.

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