Adeus, usuários

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Tantos anos aqui na revista e eu, somando tudo, devo ter deixado três vezes mais perguntas que respostas. Que coisa, não? Eu me pergunto por quê ainda sou lido. Ops! Mais uma pergunta :^)

Eu gosto de perguntas, quero dizer, de boas perguntas, daquelas dão uma balançada forte nas certezas mais básicas, daquelas que nos fazem olhar de outro ângulo, de outro lugar, perguntas que nos fazem olhar com outros olhos.

Há muito tempo li um livro bárbaro do Umberto Eco, A Obra Aberta. A idéia era fascinante: boa arte deixa espaço para a imaginação e para interpretações sem fim, boa arte deixa perguntas no ar. Poemas não envelhecem, músicas não envelhecem, pinturas não envelhecem porque nos fascinam e intrigam e envolvem sempre. Por serem abertas cada um de nós as completa com imaginação, afetos, memórias e elas passam a ser de cada um de nós e de todos ao mesmo tempo. Se fossem óbvias perdiam a graça.

Dias atrás, no evento MIX essentials aqui na Microsoft, o Raphael Vasconcellos da AgênciaClick disse algo deliciosamente similar: devemos criar coisas incompletas. Isso mesmo: in-com-ple-tas. Bingo! Lembrei do Umberto Eco no ato. Grande Raphael.

Incompletas por quê? Pressa? Orçamento curto? Prazer sádico em fazer charadas? Pretensões artísticas? Não. Incompletas para que cada um de nós possa se apropriar desse trabalho e fazer dele o que bem entender. Incompletas para permitir que o usuário deixe de ser só usuário e seja co-autor, cúmplice, parceiro. Incompletas para que o vídeo que fizemos, o serviço que criamos, a campanha que publicamos possa cair no mundo, rodar na mão de meio mundo e se tornar algo que nem imaginávamos, algo muito mais criativo e vivo e valioso (e eu estou com mania de colocar três adjetivos sempre) do que aquilo que saiu das nossas mãos e ganhou asas.

(Depois desse último parágrafo meio alado pousei pra tomar fôlego e acabei pensando outra coisa nada a ver mas que, talvez sim tenha a ver com isso. Vamos a ela.)

Cá estava eu falando de arte e de criação mas… eu não trabalho com arte, eu trabalho faz um bom tempo em lugares que criam plataformas, ferramentas, ambientes cheios de serviços para que as pessoas usem como bem entender. Instant Messengers, webmail, blogs, sites de fotos… Essas coisas são ocas, elas só têm estofo quando as pessoas as recheiam com mensagens e conteúdo. Essas coisas só têm vida porque pessoas investem ali parte das suas vidas. Quem sou eu, afinal, para falar de arte? (Mais outra pergunta… Céus!)

Minha digressão meio culposa tem a ver sim. Arte mudou. Arte era coisa pra pendurar na sala de milionários. Arte era coisa única para se ver no museu. Inventaram um jeito de copiar em massa e pronto, a arte única vai parar na porta das geladeiras. Em anúncios de sabonete. Arte tapa buracos em barracos de favela. Walter Benjamin que o diga.

O Benjamin se foi sem presenciar outra pirueta artística: arte agora eu baixo da internet, retoco, junto com outras artes, boto uma musiquinha por baixo e publico na internet de novo. O tal do ready-made do Duchamp só foi um escândalo porque não dava pra se fazer mash-ups. Arte, antes algo bem-acabado, agora é só o começo.

Se o Walter Benjamin olhasse o Youtube, Soapbox, Flickr e Facebook diria desesperado: onde vamos parar?

Well, essa pergunta eu faço questão de deixar bem respondida: se você criar coisas abertas, elas não vão parar nunca e cada usuário vai deixar de ser usuário para criar contigo.

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