Bela Droga

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– Sou contra.

Contra? A entrevistadora ficou tão desconcertada que repetiu a pergunta:

– Você é contra liberar as drogas???

O rock star era contra mesmo.

– Primeiro porque quem é chato, com droga fica mais chato ainda. Segundo porque se liberar, não vai ter pra todo mundo.

Adoro essa estorinha, ainda mais pelo fato de ter acontecido mesmo, mutatis mutandi, anos atrás. Adoro também por ter na prateleira As portas da Percepção e A Ilha do Huxley, e outras pérolas do tempo em que drogas prometiam expansão de consciência e tal.
Por uma questão de timing (tenho 39) perdi essa grande balada, e só vim a conhecer a grande ressaca que sobreveio à farra.
Mas teve um bonde que eu peguei andando e tive chance de sentar na janelinha: o tal do digimundo. Não dava barato, mas que expandia a consciência, expandia. E era barato, liberado, e tem pra todo mundo (ou quase).

Well, anos depois lá vem outra ressaca de novo. A cada vez que puxo meus emails com overdose de spam, a cada vez em que algum xarope ataca meus sites, a cada novo virus worm fico pensando: que droga.

Diabólico mesmo são as alucinações: você abre um email achando que é de alguém querido e pumba, era um ví­rus disfarçado. Você recebe um email do seu banco, abre a tal da página e pumba, é golpe. Droga mesmo é que você não sabe mais em que confiar, em quem confiar.

Como fica a vida se não pudermos confiar em ninguém? Nessas horas que a gente vê que confiança, como diziam nossas avós, demora uma vida pra se conquistar e um segundo pra se perder. E uma vez perdida, já era.

Confiança no digimundo é uma questão delicada. No mundo tijolão os bancos constroem sedes espetaculares para inspirar confiança. Governos fazem capitais monumentais para inspirar confiança. Documentos vêm cheios de selos e carimbos pra inspirar confiança. Um bom locutor empresta confiança a um comercial chinfrim. E no digimundo? Como você mostra que é confiável?

Como sabiam nossas avós a questão é dupla, na verdade: como ganhar a confiança e como não perder a confiança alheia?

Lembro-me de um chefe que tive, que dizia sempre: você tem uma chance só de causar a primeira impressão. Só uma. Ele também dizia: alguém só é teu cliente se ele te compra de novo. Mais ou menos a mesma coisa, enfim.

Parecer confiável é uma preocupação fundamental. O design do seu site inspira confiança? Reflete os valores da empresa? A arquitetura de informação, a clareza do conteúdo, até mesmo o desempenho das funcionalidades denota seriedade, compromisso, competência? Tem muito site por aí­ que é um tiro no pé, que depõe contra a empresa e a seriedade de quem trabalha nela.

Emails são um território minado para confiança. Muitas vezes a única pista que você tem para saber se aquele email é do seu banco ou não é o estilo de redação, os erros de português, e sobretudo a atitude, todos eles elementos muito sutis que têm a ver com confiança.

Alguns exemplos do mundo do papel podem ajudar. Uma revista Veja ou um Estadão tem um estilo tão consolidado de redação, de editoração, de postura que você reconhece a origem mesmo num fragmento xerocado. Por outro lado, um email com um texto supostamente escrito por Jorge Luí­s Borges (ou pelo Verí­ssimo, Ziraldo, etc…) nos deixa com a pulga atrás da orelha por conta de alguns desvios de estilo que traem a farsa.

Constância e coerência são difí­ceis de se manter em comunicação: mudam as estratégias, mudam as equipes, mudam os fornecedores… Mas para o teu consumidor, a marca ainda é a marca, e qualquer coisa estranha, qualquer acidente de percurso pode por a perder uma confiança conquistada ao longo de anos.

Confiança é algo profundamente humano, é como nos relacionamos com o mundo. O digimundo, porém, está começando a criar confianças automáticas, inumanas, implacáveis. Faça um subject meio suspeito no teu e-mailing e ele pode ser barrado por filtros bayesianos. Mande um anexo gracioso e ele pode jamais chegar a quem devia, por seguranças automáticas de sistemas.

Comunicação no digimundo requer atenção duplicada: teu target está de olho, os filtros também. Um deslize, e você cai na vala comum.

Consistência em doses diárias, transparência na veia. O digimundo tem remédio sim. Confia em mim.

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