Era só bala que avoava!

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artigo para revista webdesign

Dias atrás reencontrei bons e velhos amigos, gente que não via faz tempo, alguns há quase dez anos. Muitas risadas, lembranças queridas, pizza, brindes… e uma percepção geral: a grande história que vivemos juntos não entrou para a história.

Deví­amos escrever um livro!, alguém arriscou. Um documentário!, sugeriu outro. Eu calei. Para mim sempre foi claro que algumas histórias, boas ou não, nunca vão mais longe do que a mesa de um bar (ou um divã de psicanalista). São complexas demais, são intensas demais, são revolucionárias demais. Ou você as viveu, ou não.

Você já deve estar pensando que a grande história injustiçada é a saga de alguma pontocom extinta, ou de alguma campanha online tresloucada, ou de algum projeto digital ensandecido. Lamento, mas não. Estávamos relembrando nossos tempos de telejornalismo, nosso tempo de Aqui Agora. (Sim, eu trabalhei no Aqui Agora).

Espero não ter decepcionado ninguém. Quem trabalha com internet tende a achar que esse ramo é o clí­max da loucura, do corre-corre, que existe um internet timing, que existe um pique, uma agilidade, uma urgência que são marca registrada e monopólio desse métier.

Sorry, mas eu não caio mais nesse papo. A tal loucura do trabalho online é loucura sim, mas loucura nossa. Não precisava ser assim. Não deve ser assim. Se é assim, é por consenso mútuo entre adultos sem juí­zo.

Quer uma prova? Então inspire-se nos seriados CSI ou Without a Trace, vista a camisa do Gil Gomes e tente reescrever a tragédia de um job através das provas.

Primeiro mistério: quase não há provas. O cliente estava com pressa e passou o briefing por telefone, ou Ele me pediu isso via messenger. Mas… você não cumpriu o seu papel e colocou esse briefing no papel, ou ao menos num email de confirmação? Não dava tempo.

Segundo mistério: os tempos não batem. A tal da pressa internética parece que só existe no pontapé inicial e em pontapés no traseiro quando o job atrasa. Entre o chute inicial e os chutes derradeiros, é um festival de demoras, tropeços, passos intrincados de tango e uma alternância de pés em cima da mesa e pisadas nos calos. Os ritmos começam a atravessar logo de cara, o descompasso é crescente e os prazos começam a enforcar todo mundo.

Terceiro mistério: o motivo. Como ninguém registrou nada, como as bolas que vieram quadradas seguiram quadradas e, sobretudo, como ninguém manifestou suas dúvidas a tempo, no final ninguém sabe mais qual era a finalidade essencial do job. Sem saber o propósito do trabalho, o resultado são tiros no escuro. Se alguém acertar o alvo, foi não-intencional.

Quarto mistério: temos um serial killer. Jobs inocentes acabam esquartejados a cada semana, a cada mês, e o padrão é sempre o mesmo. De vez em quando tem sangue na parede, cabeças rolam, mas no geral temos o que a polí­cia mui sabiamente categoriza como desinteligência. E tá lá o job estendido no chão.

Para acabar com essa onda de jobicí­dios, só tem um remédio: tolerância zero. Nada de briefings por telefone, nada de pedidos em mesa de happy hour, nada de solicitações por messenger. Briefing tem que vir por escrito, tem que ficar registrado, tem que ser devidamente documentado. Briefing tem que ser completo, briefing tem que vir redondo.

Informalidade e subserviência frente a um cliente queima o teu próprio filme: jamais vão te considerar como um profissional sério. Quem é profissional e maduro exige processos, exige metodologia.

Não há caminho do meio: ou teu job acaba numa história do Gil Gomes, ou com a benção do Russomano: sendo bom para ambas as partes…. Seriedade já, aqui e agora.

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