Gestão do Luxo

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Se você quiser entender o Brasil volte pra escola: escolas de samba.
Eu faltei nessa aula e até hoje sinto falta.

Um dos nossos gênios da raça, Joãozinho Trinta, cercado de corpos nus e alegorias, despiu nossa brasilidade em cadeia nacional: “Quem gosta de miséria é intelectual. Povo gosta de luxo”. E dá-lhe apoteoses, purpurina, plumas e samba para o mundo inteiro babar.

O “renezinho quarenta” aqui não gosta de miséria, mas eu devo confessar que essa mania toda de luxo me desconcerta. Gestão do Luxo pra cá, shopping de luxo pra lá, revistas de luxo, cafés de luxo, bancos de luxo… Tem algo esquisito aí, não? Ou sou eu que preciso ter mais jogo de cintura?

Talvez eu tenha passado tempo demais bebendo de outras fontes, fontes gringas, lendo os Jakob Nielsen e Steve Krug da vida e torcendo o nariz pra carnavalidades, leões de Cannes, prêmios e outras alegrias tupiniquins.

Talvez eu tenha me viciado na racionalidade das métricas do marketing direto, ou na fissura de otimizar resultados e tal.

Overdose de “less is more”, talvez.

Preciso reler Oswald. Preciso rever a Tropicália. Quem sabe assim eu aprendo a me alimentar da racionalidade importada para transformá-la em algo que dê samba. É o mínimo que eu posso fazer, pois em torno de mim, com ou sem Oswalds e Caetanos a brasileirada toda é PHD em antropofagia.

Orkut? Dá samba. Fotolog? Entrou na roda. Podcast? Manda que a gente traça!

Essa facilidade com que adotamos novidades me desconcerta, palavra. Quando eu menos espero já perdi o pé e estou atravessando o samba. E dá-lhe repensar, sondar, fazer de tudo o que possa me trazer de volta ao compasso popular. Mas cinco minutos depois surge outra novidade e pronto, lá vamos nós de novo.

Acho que estou aprendendo algo, enfim: no digimundo “miséria” não quer dizer interface peladinha, e “luxo” não requer banda larga. Pense bem: messengers são um luxo. Orkuts e Yahoogrupos são um luxo. Uma caixinha de busca no teu browser, seja Yahoo ou Google ou MSN, são um luxo. SMS entre operadoras idem.

Pense agora nas coisas que te fazem sentir miserável: internet banking ruim é miséria. Sites com “loading” são uma miséria. “Fale conosco” que não responde é uma miséria. Softwares pesados são uma miséria.

Luxo é uma experiência rica. Experiência rica é aquela que te enriquece como ser humano.

Miséria é querer e não conseguir. Miséria é ser tratado como mais um.

Luxo não é um computador que fala: luxo é falar de graça com gente querida usando Skype.

Luxo não é uma foto de 6 megas: é tirar uma foto do teu filho com o celular e mandar direto pro Flickr para o mundo inteiro ver.

Luxo é esquecer que abismos existem. Miséria é ficar ilhado.

Rodei, rodei para enfim cair numa roda de samba, precisei chegar aos 40 para entender a sabedoria do Joãozinho Trinta.

Falta só eu ter mais ginga. Quem sabe um dia.
Enquanto isso crio passarelas e pontes e construo instrumentos para o povo delirar na avenida.

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