Imaginação Fértil

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– Calma. Vamos rabiscar no papel, antes.

Ele me olhou com estranheza. O software já estava ali, engatilhado, pronto para receber de braços abertos nosso furor criativo, nosso ímpeto realizador, nossa… precipitação desastrada.

Quando o assunto é criar, somos como maus amantes: partimos para as vias de fato sem cerimônia alguma, sem preliminares, sem nada.

Dá para se conceber assim? Claro que dá, mas prepare-se para um gestação tumultuada e um parto sofrido.

O mal dos softwares autorais é esse: eles te enganam. Nenhum photoshop, dreamweaver, powerpoint te pergunta: “O que você quer de mim?”. Que nada: em todos eles começamos com a cabeça tão vazia quanto a tela nova.

Para alguns processos “autorais” isso pode ser um bom começo. Se você for um poeta beat, se você for um James Joyce reencarnado registrando seu stream of conciousness, se você for um Pollock e quiser jogar coisas a esmo para ver no que dá… Nesses casos o processo “vamuquivamu” pode ser esplêndido, mas se for essa a sua praia eu te sugiro procurar outra revista (ou um articulista menos crica).

Essa liberdade infinita que um software nos dá mascara uma limitação básica: aquele software é capaz de cuspir alguns tipos de coisas, mas quem garante que são as coisas de que precisamos? A solução para o seu problema pode não ser um JPG, pode ser um email bem estruturado. A chave para resolver uma questão pode ser um mero telefonema, e não uma campanha elaborada de email marketing. Ou pode ser… não fazer nada a respeito. Por isso é bom parar por um momento, levantar da sua baia e ir buscar lápis e papel para rabiscar um esquema realmente inovador.

Inovação nasce assim, nasce fora dos caminhos batidos. Grandes idéias são grandes já no rascunho, em rabiscos feitos no guardanapo do restaurante. Se depois disso você vai usar o software X ou Y, macs ou PC’s, tanto faz. Ou você acha que “Garota de Ipanema” foi escrita usando a última versão do Office num Tablet PC wireless na mesa do bar?

Softwares viciam a gente. Nunca vou me esquecer de uma frase colada no monitor de uma colega, anos atrás: “De tanto carregar um martelo, você acaba achando que tudo é prego”. Well, acho que a frase era mais bem construída, mas você pegou a idéia: nem tudo se traduz em planilhas, em classes Java, nem sempre a solução é um repeteco do que você sempre fez.

Anos atrás, o que eu mais ouvia era: “Preciso aprender internet… Que curso de Flash você me recomenda?”. Era de arrepiar. E dá-lhe gente disparando SWF pra todo lado, como se a panacéia universal fosse interatividades misteriosas e sons em loop.

Por sorte a paisagem hoje é outra, e não faltam boas opções para quem quer “aprender internet”. Mas o problema persiste: e se a solução não for só internet?

Se pensarmos só em termos de internet, como vamos criar aquilo que virá depois da internet?
Há alguns anos todo projeto mirabolante pressupunha que nosso futuro era a atrofia completa, uma humanidade sentada, com nariz colado em monitores e sorrindo por emoticons. Felizmente alguém teve a saudável percepção de que somos bípedes, gregários, afetivos, e que celulares com câmera poderiam ser mais libertadores e revolucionários do que um hipercomputador no meio do living.

Alguns softwares, porém, te ajudam a pensar, a organizar melhor as idéias. Eu sou um dependente terminal do MindManager (http://www.mindmanager.com), que me permite primeiro organizar pensamentos soltos e depois agrupá-los, conectá-los e enfim exportá-los em vários formatos diferentes. Há também o The Brain (http://www.thebrain.com) ou o Inspiration (http://www.inspiration.com), ou mesmo os outliners do Word ou Powerpoint.

O mais importante, seja qual for a ferramenta, é que você conceba algo abrangente, consistente, bem costurado, e que só então você decida qual a melhor maneira de realizar a o que você imaginou.

Namore muito sua idéia, muito. Só assim vamos fazer nascer projetos que fecundem pessoas, que nos tornem mais férteis.

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