“Um só pernilongo põe em xeque a existência de Deus!”
Ok, ok… Mateus era estrangeiro, não estava acostumado a conviver com o fato de que, por mais que ele se julgasse um cidadão americano, pro pernilongo teológico ele era o Maná, o alimento milagroso que o deus dos pernilongos provê para seus filhos.
Acordei com essa história na cabeça porque dormi com um zum-zum-zum na cabeça, causado não por um inseto iconoclasta mas sim por um pernilongo anti-tecnologia.
“Um só pernilongo põe em xeque a tecnologia onipresente, onisciente e todo-poderosa”
(Definida assim tecnologia parece divindade, não? Só pro pernilongo que não: ele ignorou meu repelente eletrônico com controle de potência, chave seletora de modos de operação e o led vermelho místico indicando a operação invisível da proteção eletrônica. Ignorou. A teologia do pernilongo nem se abalou: eu continuava sendo um paraíso em cujas veias corria leite e mel.)
Ok, ok… eu não deveria misturar teologia com tecnologia. Aliás, ninguém deveria. Ninguém.
Sabe o que tecnologia e teologia têm em comum? Pense. Pense mais um pouco. Eu respondo: você. Ou melhor, pessoas. Sem pessoas não haveria nem uma nem outra. E pessoas têm algo em comum: crença. Pessoas tendem a crer. Você crê em quê?
Opa, antes que você responda deixemos de lado religiões. Deixando a religião de lado deixamos de lado metade das guerras.
Eu começo: eu acredito… Opa, vou fazer isso via twitter, e quando eu escrever aquilo que eu acredito vou acrescentar #euacredito. Se todos twittarmos o nosso credo colocando #euacredito vai dar pra fazer um painel bem bacana com crenças mil. Topa? Assim que eu terminar este artigo eu farei isso 🙂
Muitos de nós começam sua carreira no digimundo por algum tipo de fé, algum tipo de crença profunda e otimista. Eu tenho fé numa humanidade 2.0, outros têm fé no poder do design, outros têm fé num neo-socialismo digital, alguns têm fé no milagre dos IPO’s, outros veneram marcas e por aí vai.
Fé é bom. O complicado é quando tecnologia vira teologia. O complicado é quando alguém foi iluminado e começa a impingir dogmas por aí.
Quer ver como isso é real? Fale por aí: “a internet é XYZ”. Publique no seu blog que “blogs são ZYW”. É dizer isso e, como se dizia nos meus tempos de Aqui e Agora, “era só bala que avoava!”. Os monoteístas de plantão vão começar uma jihad contra você.
Nessas horas zoroástricas e maniqueístas onde existe um Bem (eles) versus um Mal (você), eu começo a achar que estou no século XV e prefiro voltar ainda mais no tempo. Grécia, lá vou eu.
Vocês ouviram falar nos sofistas? Vá pra wikipedia sem pressa, essa revista não dá time-out.
Voltou? Então prossigamos. Um filósofo em busca da essência das coisas perguntou a sofistas: o que é o Belo? Um teria dito: qual? Outro perguntou: quem?
Os sofistas, muito lúcidos, sabiam que essência é uma abstração perigosa. Quando um perguntou “qual?”, ele quis dizer que o que há são coisas belas, coisas concretas, palpáveis. Quando o outro perguntou “quem?” ele fez a melhor pergunta de todas: belo para quem? Beleza é subjetivo.
Essa lucidez parece não ter resistido muito ao tempo. Surgiram novos credos, novos dogmas e escreveram verdades em pedra, livros sagrados e tal. Milênios depois surge um novo altar, o da tecnologia, e por mais que ela seja feita à nossa imagem e semelhança, muitos se comportam como a Santa Inquisição 2.0.
Pense comigo: dá pra falar em Internet sem levar em conta que a minha experiência com internet é diferente da sua, sem levar em conta que eu sou diferente de você? Que blogs cada um usa como quiser e dá o sentido que bem entender? Que web 2.0 é reinvenção e não cânone?
Eu presenciei outro dia a vanguarda do digimundo tentando catequisar os bárbaros do mundo arcaico. O encontro foi uma bela oportunidade, mas uma oportunidade a meu ver perdida: justamente os mais modernos foram os mais dogmáticos, os menos propensos a entender a visão do outro, os menos capazes de criar um diálogo equilibrado. Alguém foi convertido, será?
Dica deste evangelista aqui: fanatismo espanta. Catequese assusta. Conversa só acontece quando os dois lados escutam.
Ok, você há de dizer que internet é um conjunto de protocolos e tem o W3C e bla-bla-bla, vai acabar esquecendo que, como o ser humano, a internet é algo ainda em aberto, onde algumas coisas são possíveis, outras nem tanto, e muito ainda está para se experimentar.
Melhor dizendo: internet não é isso não, nem o ser humano o é. Isso é apenas o que eu acredito. E é o que me move 🙂