Ok, ok, estou exagerando, o trauma não foi assim tão… traumático. Passou. Mas algo aconteceu ali: perdi minha virgindade mercadológica.
Ainda me lembro da embalagem: uma família feliz e sorridente de kikos marinhos, desenhada com esmero e alegria, enchia de vida e esperança aquele pó cinza dentro do saco plástico. Pó? Que nada! Aquilo era um milagre científico ressuscitando criaturas pré-históricas: Tu és pó, e do pó nascerás!
Depois do leite em pó, do nescau e do nescafé, finalmente… amiguinhos em pó! Just Add Water!
Que criança resistiria? Quem não pagaria com a alma para ver aquele pó bobo ganhar vida e virar papais e mamães e filhinhos kikos marinhos?
Well… a pergunta é: que criança viu isso? Eu não vi nada. Só vi a água do aquário estragando, estragando, enquanto meus olhos aflitos buscavam sinais de bebês jurássicos. Adiós, inocência.
Mas que cargas d’água essa minha história aquática tristíssima (snif) tem a ver com nosso ofício? O que tem os kikos a ver com nossos micos? E que história é essa de citar Pero Vaz de Caminha em vão?
Simples: muita gente está prestes a perder a inocência. E a fé. E a crença em internet. Tudo por conta… de promessas em pó.
Alguém já disse que tecnologia um dia vai parecer mágica, mas daí a acreditar em milagres é outra história. Web 2.0? Ajax? Comunidades? Conteúdo gerado pelo usuário? Lindo, encantador… mas será que é a pedra filosofal? A resposta para todas as perguntas? Unissex? One-size-fits-all? All-you-can-eat? Em comunidades em se plantando tudo dá? Ou há contra-indicações e posologia na bula?
Caríssimos, a resposta é simples.
Como diria Bob Dylan, the answer is blowing in the wind. Traduzindo para bom português: cuidado com pastel-de-vento. O recheio de qualquer coisa, na internet ou fora dela, é… carne. Carne e osso e mentes e coração e sonhos… de gente.
Gente é a resposta, e gente é também a maior das perguntas.
Como fazer gente feliz? O que é relevante para gente? Por quê a gente colabora? Por quê a gente não colabora? A gente quem, cara-pálida?
Um exemplo: blogs.
Bárbaro, não? Você pode incluir blogs na sua proposta e cantar loas às maravilhas do citizen journalism, da folksonomia, do long-tail , do crowdsourcing e demais buzzwords que só a wikipedia é capaz de explicar. O cliente vai ficar boquiaberto.
Quero ver, porém, a cara dele quando adicionar o pó mágico ao seu próprio aquário/site, o tempo passar e passar… e não brotar nada. Blog não era pra ser algo explosivo, revolucionário, uma desconstrução de paradigmas, bla-bla-bla-blogs?
Well, lá se foi a inocência de mais um.
O mesmo vale para comunidades. Conteúdo gerado por usuários. Virais. Colaboração. Parece só questão de adicionar água e mexer um pouco, mas na verdade a química é muito mais complexa. Na verdade, a questão é mais culinária do que química: há que se ter uma certa mão, um certo talento, um certo tempero especial, a temperatura e o tempo ideais pra transformar farinha e água em um magnífico croissant.
Croissant precisa de fermento? Tem que sovar a massa? A massa tem que repousar? Se abrir o forno a massa desanda? Qualquer farinha serve? Tem que peneirar? E o tamanho, importa?
As mesmas perguntas valem pra ambientes sociais: comunidades precisam de um empurrãozinho? Tem que incentivar a colaboração no começo? As pessoas precisam de muito tempo para se ambientarem? Se você se intrometer na comunidade ela desanda? Todas as pessoas e perfis de gente têm o mesmo potencial de comunidades? Vale a pena filtrar antes? Até que tamanho uma comunidade pode crescer?
As perguntas são inúmeras, e todas elas absolutamente fundamentais. E a resposta pra todas é a mesma: depende. Não há nunca um caso idêntico a outro. Aquilo que foi um case no Azerbaidjão pode ser um mico no Uzbequistão. Aquilo que floresce e dá frutos na Bósnia azeda e murcha na Sérvia. Tudo depende e, como diria Gilberto Gil, merece consideração.
Por exemplo: meus kikos marinhos nunca vingaram. Já os seus… ok, ok, nem me conte.