No aeroporto em Amsterdam, no elevador em Nova York, num táxi decrépito, em botequins vazios… Encontrar com ela é sempre mágico, inexplicável, e lá fica você de coração mole, cantarolando junto: a beleza que não é só minha…. Essa canção é cidadã do mundo.
A moça do corpo dourado do sol de Ipanema arranca suspiros até de quem não tem idéia do que seja Ipanema, Vinícius, Tom, e seu mundo se enche de graça e fica mais lindo mesmo em línguas estranhas e arranjos idem.
Graça é uma palavra interessante. Há coisas que você não quer nem de graça, outras te deixam sem graça e, sim, ela é uma graça por graça dos céus. Sempre coisa boa, graça, mas a Graça mesmo é cruel: ou se tem ou não se tem.
Beleza bisturi ajeita. Conteúdo escola dá. Mas graça, mesmo, é uma Graça, uma benção, algo que separa a bonitinha, tadinha da criatura graciosa e encantadora que virou canção e lenda.
A gente fala tanto em beleza, aspecto e nem pára pra pensar que se tem algo que enchemos a boca para dizer é gostoso: Gostosa!.
E vá você definir gostoso: é algo como a graça. Nem é questão de perfeição, é uma dádiva.
Quer ver algo gostoso? Google. É uma delícia. Instant messenger é gostoso também. Um site como o Orkut é super gostoso. Estão aí milhões de usuários para assinar embaixo.
Como você explica algo gostoso? Ou, pior ainda: como você faz o digimundo mais gostoso?
Vou ser sincero: ainda não descobri. Eu persigo essa quimera faz anos, e o mais perto que cheguei foram vislumbres de como fazer coisas não-gostosas.
Procuremos, então, o caminho da Graça no beco dos erros e desvios.
Contemple o abismo: de um lado você tem o usuário, que vai ou não achar gostoso o, digamos, website.
Do outro lado você tem uma turba de designers, desenvolvedores, marketeiros, gerentes de todo tipo, alguns deles clueless, outros com mais certeza do que deveriam. Acredite em mim: são esses hiper-convictos que fazem o abismo crescer.
O problema de quem acha que enxerga claramente a soluçãoé que nem sempre what HE sees is what YOU get. Da inspiração genial até chegar a algo concreto é uma corrida de obstáculos, onde a tal da idéia pode tropeçar tanto que vai chegar aos cacos lá na ponta. Se chegar.
Por que é tão acidentado o caminho da Idéia? Eu arrisco dois palpites: idéia que nasce tão distante darealidade, lá nos píncaros da imaginação iluminada, talvez só funcione bem no ar rarefeito do Olimpo. Aqui no mundo dos mortais ela vai ser tão desengonçada quanto o albatroz do Baudelaire.
Segundo palpite, e o real motivo deste artigo todo: idéias têm pernas curtas. Você tem que levá-la pela mão, carregá-la no colo, ensiná-la a olhar onde pisa, a usar passarelas. Se você deixar uma idéia ir solta, ela se perde.
Se você não cuida do destino da sua idéia, surge o inferno de qualquer projeto interativo: a expectativa de que os outros… adivinhem.
O fornecedor tem que adivinhar o que o cliente quer, o designer tem que adivinhar como funciona o cliente do cliente, o desenvolvedor tem que adivinhar o que aquele photoshop lindo realmente tem que fazer e quem for consertar, pobre diabo, pior ainda: vai ter que fazer engenharia reversa ao cubo. Pior que o mapa do inferno é um inferno sem mapas. Voilí .
Resultado: um site que que ninguém consegue adivinhar como funciona, se é que funciona. Você já passou por isso, e sabe que não tem graça.
As garotas em Ipanema talvez sejam graciosas por serem brasileiras, mas a nossa ginga nacional não ajuda muito quando o assunto é projeto: adoramos ter idéias, mas não achamos graça na lição de casa, temos birra do trabalho metódico, da documentação, de especificações, de tudo que garanta que a idéia não perca o rebolado na areia movediça que é qualquer desenvolvimento.
Isso é chato.
Isso não tem graça.
Processo é pra quem não sabe improvisar, pra quem não tem jogo de cintura.
Não tem por quê stressar, no final tudo dá certo.
A cada vez que ouço no final dá certo, minha resposta sempre é: defina final. Você se livrar de uma etapa não é final nenhum, é na verdade o começo da etapa seguinte, e coitado do infeliz para quem você passou uma bola quadrada: vai ter que adivinhar, tapar buracos, prender com fita crepe e dar forward do mico. No final das contas, o resultado é beeeem diferente da idéia, com qualidades de menos e defeitos a mais.
Se a gente pusesse na balança esse jeito gostoso de trabalhar versus a ressaca inevitável, o stress, o desperdício gerado, o resultado mambembe… mas não fazemos isso nunca, porque achamos que tudo sai de graça, que faz parte, e que no final risadas gostosas resolvem tudo.
Resultado: estamos sempre reinventando a roda, estamos sempre começando do zero, não deixamos nunca um legado, uma herança, algo que nossos sucessores possam tomar como base e avançar. Eles têm que se virar.
Nosso usuário acha gostoso ter uma experiência tranqí¼ila, fluida, encantadora, assim como o rebolar despreocupado da garota de Ipanema. Projetos mal gerados e mal geridos podem até se sacudir, mas como diria minha avó: por fora bela viola, por dentro pão bolorento.