– Você topa ir comigo a um sebo? Estou procurando um Henry Miller esgotado.
Sebo? Nessa hora eu topava era ir pra igreja e casar já : ) Como se não bastasse ser bela, a moça ainda gostava de livros e de alfarrábios e belquiores? Henry Miller, então??? Milagre! O que mais eu podia querer?
(Não responda, eu já sei: faltava ela compartilhar o meu entusiasmo, claro. Como se diz no twitter, #fail)
Li muito Henry Miller. Li inclusive um texto curto, que ele escreveu aos 80 anos, com o título (acho) Reflexões Sobre a Morte de Mishima. Vou tentar encontrar e reler.
Yukio Mishima era um autor japonês brilhante (leia) que, inconformado com a ocidentalização do Japão, se lança num movimento de resgate da cultura tradicional japonesa, #fail e, inconformado, se mata. Da maneira tradicionalíssima, claro.
(nota desse autor gagá: não confiem na minha memória, dêem uma pesquisada a respeito)
Fiquei curioso sobre o que o escritor americano ia dizer a respeito. Well, me surpreendi: resumindo, ele disse que Mishima foi tolo.
Urruuu, essa eu não esperava. Tolo por quê? Por valorizar a tradição? Por se suicidar? Não, tolo por querer mudar a humanidade. Segundo Miller, a humanidade vai bem, obrigado, e ai de quem quiser mudá-la. Vai pra cruz, no mínimo (o exemplo é dele).
(Pensando bem, a mocinha literata ia bem, obrigada, e quem era eu pra tentar cair de paraquedas na vida dela? Well, deixa pra lá)
Hmmm… estranho isso. O Miller chega aos 80 desiludido com as pessoas? Ou será que ilusão seria pensar o contrário? Isso sempre me encafifou. Temos jeito, afinal, ou não?
Faltam 35 anos pra eu chegar aos 80, a menos que eu dê uma de Mishima por uma causa impossível (ou moça impossível) qualquer. Mas do alto desse teclado de onde 4 décadas me contemplam, eu confesso que ando incomodado pra chuchu. E incômodo, para mim, é um excelente sinal.
Um grande amigo meu dizia: filosofia que não incomoda não serve pra nada. E é por isso (e pelo Miller, e pelo Mishima, e pela mocinha intelectualmente inquieta) que vou, se você me permitir, ser incômodo e tirar você da zona de conforto. E conforto é o que não falta na terra brasilis.
Eu me explico: somos uma cultura fortemente hedonista. Eu acho, pelo menos. Grande parte da brasilidade está ligada ao prazer: prazer na comida, prazer na dança, prazer na festa, prazer nas relações com os outros. Prazer, alegria, improviso, e aversão à tristeza, à formalidade, ao tédio, às regras. Uma boa parcela da nossa criatividade e “pegada” criativa vem daí, dessa nossa relação intensa, visceral e epitelial com a alegria. E esse é nosso bem, nosso mal.
Eu me explico. Cultura tem dois lados: ela é nossa maneira coletiva e singular de lidar com o mundo, de interagir com a vida, de dar sentido ao que acontece. Mas ao mesmo tempo em que a cultura nos abre o mundo de uma certa maneira, ela também define o que fica de fora, o que é indesejável, o que nem consideramos, o que você jamais será.
Vou dar exemplos concretos. Eu nasci aqui em São Paulo, vindo de uma família X num bairro Y numa classe W numa época Z. Eu cresci dentro de um conjunto de valores e sentidos bem definido, dentro dos quais minha vida teria um certo curso “normal” a seguir: ir para um certo tipo de colégio, cursar um certo nível de faculdade e ter um determinado nível de vida, morando em bairros assim ou assado, freqüentando o shopping XYZ e evitando o shopping ZYX. Tudo muito cômodo. Se eu não fosse tão desmiolado e teimoso, teria sido essa minha vida (não foi), com pouca ruptura com as expectativas todas da minha cultura de berço.
Na faculdade eu conheci colegas com trajetórias igualmente previsíveis, mas conheci também gente que veio de fora, veio de outras cidades e que, ao cair no mesmíssimo lugar que todos nós, tinham uma liberdade extraordinária: eles não tinham caminhos pré-determinados. Podiam se inventar. Podiam escolher deliberadamente qual seria seu lugar no mundo, qual seria sua turma, qual seria seu estilo. Uma liberdade extraordinária que acabava fazendo deles gente muito mais criativa, ousada e surpreendente do que todos os outros.
E aí vem a iluminação: só eles tinham essa liberdade? A gente não tinha? Resposta: todos nós temos. Para eles parecia mais fácil porque a mudança de cidade forçara rupturas bastante incômodas. Para nós isso parecia difícil porque a nossa cultura da comodidade, nossa herança, tornava nosso futuro engessado e seguro. Mas a liberdade estava ali, se oferecendo sorridente a cada minuto. Só não se reinventa quem não quer.
(OK, ok, fui cruel agora, incomodei. Nem todos podem se dar ao luxo de se reinventar, a vida é dura e existem responsabilidades e limitações etc etc etc, mas vale a pena ter isso em mente sempre)
Por isso é bom viajar, por isso é bom conhecer outros círculos: mais importante do que levar os olhos pra mil lugares é ter mil olhos diferentes para ver seu próprio lugar (acho que essa é do Proust). A hora em que começamos a questionar nossa própria cultura, nossos próprios valores e manias e idiossincrasias mil caminhos se abrem, mil possibilidades surgem. Muito do que parecia obviamente bom (nosso improviso crônico, por exemplo) pode começar a parecer um vício horroroso que nos mantém atrasados para sempre. Nosso horror a regras pode se revelar, por fim, uma regra tão rígida e cretina quanto a pior das regras. Nossa sociabilidade tão 2.0 pode se mostrar como superficialidade e pavor de compromissos.
Pense nisso. Você e eu trabalhamos com inovação, você e eu queremos mudar a maneira como as pessoas vivem e interagem, você e eu somos agentes de mudança. E se não mudarmos de ares, se não mudarmos de círculos, se não experimentarmos outras tecnologias, se não mudarmos por dentro… não vamos conseguir mudar nada nem ninguém. Mude seu olhar e mostre para o mundo que tudo pode ser visto com outros olhos.
Citei vários autores, né? Corra pra um sebo e procure por eles. Quem sabe vocês não encontram belas mocinhas ou mocinhos com almas inquietas como a sua?
Sebo? Nessa hora eu topava era ir pra igreja e casar já : ) Como se não bastasse ser bela, a moça ainda gostava de livros e de alfarrábios e belquiores? Henry Miller, então??? Milagre! O que mais eu podia querer?
(Não responda, eu já sei: faltava ela compartilhar o meu entusiasmo, claro. Como se diz no twitter, #fail)
Li muito Henry Miller. Li inclusive um texto curto, que ele escreveu aos 80 anos, com o título (acho) Reflexões Sobre a Morte de Mishima. Vou tentar encontrar e reler.
Yukio Mishima era um autor japonês brilhante (leia) que, inconformado com a ocidentalização do Japão, se lança num movimento de resgate da cultura tradicional japonesa, #fail e, inconformado, se mata. Da maneira tradicionalíssima, claro.
(nota desse autor gagá: não confiem na minha memória, dêem uma pesquisada a respeito)
Fiquei curioso sobre o que o escritor americano ia dizer a respeito. Well, me surpreendi: resumindo, ele disse que Mishima foi tolo.
Urruuu, essa eu não esperava. Tolo por quê? Por valorizar a tradição? Por se suicidar? Não, tolo por querer mudar a humanidade. Segundo Miller, a humanidade vai bem, obrigado, e ai de quem quiser mudá-la. Vai pra cruz, no mínimo (o exemplo é dele).
(Pensando bem, a mocinha literata ia bem, obrigada, e quem era eu pra tentar cair de paraquedas na vida dela? Well, deixa pra lá)
Hmmm… estranho isso. O Miller chega aos 80 desiludido com as pessoas? Ou será que ilusão seria pensar o contrário? Isso sempre me encafifou. Temos jeito, afinal, ou não?
Faltam 35 anos pra eu chegar aos 80, a menos que eu dê uma de Mishima por uma causa impossível (ou moça impossível) qualquer. Mas do alto desse teclado de onde 4 décadas me contemplam, eu confesso que ando incomodado pra chuchu. E incômodo, para mim, é um excelente sinal.
Um grande amigo meu dizia: filosofia que não incomoda não serve pra nada. E é por isso (e pelo Miller, e pelo Mishima, e pela mocinha intelectualmente inquieta) que vou, se você me permitir, ser incômodo e tirar você da zona de conforto. E conforto é o que não falta na terra brasilis.
Eu me explico: somos uma cultura fortemente hedonista. Eu acho, pelo menos. Grande parte da brasilidade está ligada ao prazer: prazer na comida, prazer na dança, prazer na festa, prazer nas relações com os outros. Prazer, alegria, improviso, e aversão à tristeza, à formalidade, ao tédio, às regras. Uma boa parcela da nossa criatividade e “pegada” criativa vem daí, dessa nossa relação intensa, visceral e epitelial com a alegria. E esse é nosso bem, nosso mal.
Eu me explico. Cultura tem dois lados: ela é nossa maneira coletiva e singular de lidar com o mundo, de interagir com a vida, de dar sentido ao que acontece. Mas ao mesmo tempo em que a cultura nos abre o mundo de uma certa maneira, ela também define o que fica de fora, o que é indesejável, o que nem consideramos, o que você jamais será.
Vou dar exemplos concretos. Eu nasci aqui em São Paulo, vindo de uma família X num bairro Y numa classe W numa época Z. Eu cresci dentro de um conjunto de valores e sentidos bem definido, dentro dos quais minha vida teria um certo curso “normal” a seguir: ir para um certo tipo de colégio, cursar um certo nível de faculdade e ter um determinado nível de vida, morando em bairros assim ou assado, freqüentando o shopping XYZ e evitando o shopping ZYX. Tudo muito cômodo. Se eu não fosse tão desmiolado e teimoso, teria sido essa minha vida (não foi), com pouca ruptura com as expectativas todas da minha cultura de berço.
Na faculdade eu conheci colegas com trajetórias igualmente previsíveis, mas conheci também gente que veio de fora, veio de outras cidades e que, ao cair no mesmíssimo lugar que todos nós, tinham uma liberdade extraordinária: eles não tinham caminhos pré-determinados. Podiam se inventar. Podiam escolher deliberadamente qual seria seu lugar no mundo, qual seria sua turma, qual seria seu estilo. Uma liberdade extraordinária que acabava fazendo deles gente muito mais criativa, ousada e surpreendente do que todos os outros.
E aí vem a iluminação: só eles tinham essa liberdade? A gente não tinha? Resposta: todos nós temos. Para eles parecia mais fácil porque a mudança de cidade forçara rupturas bastante incômodas. Para nós isso parecia difícil porque a nossa cultura da comodidade, nossa herança, tornava nosso futuro engessado e seguro. Mas a liberdade estava ali, se oferecendo sorridente a cada minuto. Só não se reinventa quem não quer.
(OK, ok, fui cruel agora, incomodei. Nem todos podem se dar ao luxo de se reinventar, a vida é dura e existem responsabilidades e limitações etc etc etc, mas vale a pena ter isso em mente sempre)
Por isso é bom viajar, por isso é bom conhecer outros círculos: mais importante do que levar os olhos pra mil lugares é ter mil olhos diferentes para ver seu próprio lugar (acho que essa é do Proust). A hora em que começamos a questionar nossa própria cultura, nossos próprios valores e manias e idiossincrasias mil caminhos se abrem, mil possibilidades surgem. Muito do que parecia obviamente bom (nosso improviso crônico, por exemplo) pode começar a parecer um vício horroroso que nos mantém atrasados para sempre. Nosso horror a regras pode se revelar, por fim, uma regra tão rígida e cretina quanto a pior das regras. Nossa sociabilidade tão 2.0 pode se mostrar como superficialidade e pavor de compromissos.
Pense nisso. Você e eu trabalhamos com inovação, você e eu queremos mudar a maneira como as pessoas vivem e interagem, você e eu somos agentes de mudança. E se não mudarmos de ares, se não mudarmos de círculos, se não experimentarmos outras tecnologias, se não mudarmos por dentro… não vamos conseguir mudar nada nem ninguém. Mude seu olhar e mostre para o mundo que tudo pode ser visto com outros olhos.
Citei vários autores, né? Corra pra um sebo e procure por eles. Quem sabe vocês não encontram belas mocinhas ou mocinhos com almas inquietas como a sua?