Pois é. Comecei pelo título, erro fatal. E olha que no artigo anterior eu mesmo tinha dito: comecem pelo fim, pelo fim! O título… deixem pro fim.
Pois é. Não segui meu próprio conselho, mas acho que essas coisas do coração são sempre assim, a gente mete os pés pelas mãos e dane-se o bom-senso. Let’s get lost, como bem disse Chet Baker. Let them sound all alarms.
Bom, melhor eu mesmo soar o alarme, segurar um pouco a onda e voltar ao que interessa, afinal não pega bem hoje em dia falar de amor sem ser cantor nem poeta. Não tenho o alvará. Houve tempo em que falar de amor era lindo e sacanagem era tabu; hoje sacanagem é assunto de salão e amar virou perversão estranha. Sign of the times, como bem disse Prince.
Estava ouvindo agorinha mesmo um podcast que eu curto, o TWIT (This Week In Tech, procura aí), e os caras falaram uma coisa interessante: ser nerd não é questão de ser tecnólogo ou CDF. Ser nerd é ser apaixonado pelo que faz sem medo do ridículo. Isso inclui usar orelhas do Spock, se fantasiar de mangá, usar camisetas esquisitas e pintar o cabelo de verde. Ser nerd é ser apaixonado por algo e não estar nem aí pra opinião da galera. Você pode ser um fashion nerd, um art nerd, um design nerd, um nerd fissurado em palavras cruzadas. É tudo uma questão de paixão.
É meio nova essa história de poder viver sua paixão. Pergunte pra tua avó se dava para mergulhar de cabeça em alguma paixão na juventude dela. Aposto que não. Mas hoje dá, pelo menos nas cidades mais legais dos países menos malas. E acho que justamente essa paixão pela paixão que move muito do que fazemos hoje: blogar, publicar, fazer vídeos, criar comunidades, fazer amigos, acampar no campus party… é uma embriaguez sem riscos, uma êxtase que nem precisa de ecstasy.
Outro dia almocei com uma amiga e colega apaixonadíssima pelo que faz. Ela é uma pesquisadora brasileira de User Experience na Microsoft e morou anos e anos lá em Seattle, participando de uma série de projetos… apaixonantes. Foi uma delícia ouvir suas histórias, e a cada peripécia que ela contava ia ficando mais claro que… paixão só não basta. Para que as coisas dêem frutos, para que a paixão “vingue” e fecunde e dê frutos é preciso algo mais. É preciso amor.
Ok, eu disse a palavra com quatro letras. Não se assuste. Amor, por mais contagiante que seja, não é doença nem vírus. Amor, nessa minha historinha aqui, significa aquilo que constrói relações e faz com que elas vicejem.
Eu explico: se ela fosse apaixonada pelo que faz ela cumpriria sua tarefa com o maior prazer. Tentaria entender o que os usuários querem, como eles pensam e funcionam, faria hipóteses, testes, prepararia um relatório com mil sugestões e… partiria pra próxima. Seria o máximo, mas esse não é nem o mínimo do que ela faz no trabalho.
Para garantir que tudo o que ela descobriu e sugeriu vire realidade, seja incorporado no produto, inove a experiência do usuário e mude o mundo, ela tem que fazer muito mais do que pensar no seu próprio prazer. Ela tem que descobrir como funciona o processo todo, quem são os envolvidos, como cada um dos envolvidos pensa, que tipo de argumento ela tem que apresentar para um departamento e outro, e em cima desse mapa todo de interesses e desejos e interesses e políticas ela vai construir relações, compromissos, vai negociar, encantar, convencer e gerenciar mil agendas e egos para que eles convirjam na direção correta, a direção que vai garantir que a paixão que ela teve lá no começo chegue intacta ao final do processo e o usuário tenha enfim uma experiência apaixonante.
Não basta paixão pra isso. É preciso amor pelo resultado, pela experiência do usuário, amor por ver gente dando o melhor de si num processo fecundo e rico. Paixão tem pernas curtas, amor abraça o mundo.
É fácil ser apaixonado hoje. É tão fácil que dá pra sonhar com viver disso, da própria paixão. Amor, por sua vez, continua tão complexo quanto sempre. Dá um trabalho danado. Mas, como bem disse Renato Russo, ainda que eu falasse a língua dos homens, ainda que eu falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.