Pé no chão e pé na tábua

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Vocês conhecem Lagos, Nigéria? Eu conhecia de ouvido: ouvi a respeito num podcast semanas atrás. Ontem conheci um pouco mais lendo um artigo na revista Piauí, e descobri então que não quero conhecer Lagos tão cedo. Ao menos… não a pé 🙂

Eu explico: o podcast bacana falava sobre urbanismo e sobre o quanto o mundo estava se favelizando. As maiores cidades do mundo (Lagos, por exemplo), hoje, não são mais cidades, são outra coisa, são mega-favelas fervilhantes. O urbanista falava disso com um certo fascínio, dizia que estavam surgindo ali novos paradigmas, novas formas de convívio humano, de empreendedorismo informal e de poder político. Ou seja, o cara não estava horrorizado, estava encantado.

Como o urbanista falava com paixão eu me empolguei também, embora “cum grano salis”, com uma pitada saudável de desconfiança. Quando li ontem o artigo na Piauí, a pitada de sal ganhou outros sabores: a descrição da miséria era tão vívida, tão pungente que a fumaça das serrarias, o cheiro de óleo diesel, o lixo e o fedor quase saltavam do texto.

Eu fiquei desconcertado. Quem tinha razão, afinal? O urbanista idealista ou o jornalista pé-no-chão? Well, é tudo uma questão de ponto de vista… literalmente 🙂

No artigo estava a pista: muitos especialistas e urbanistas vão conhecer Lagos, mas ficam tão apavorados que passam direto dos carros blindados para helicópteros e, de lá de cima, o favelão parece fascinante mesmo, fervilhando de atividade humana, improviso e vontade de sobreviver e vencer.

Vista de longe, qualquer coisa é inspiradora. De perto, porém, é outra história. Rio, São Paulo, vocês sabem como é.

Ok, ok, mas por que estou eu aqui falando de românticos e realistas? Porque na nossa área não é diferente: o que não falta são gurus sobrevoando o digimundo de helicóptero e dizendo maravilhas. Sai um novo gadget? Lindo! Maravilhoso! Web 2.0? Sensacional! Milagroso! Conteúdo gerado pelo usuário? E-commerce? Comunidades? Lindo, lindo, lindo!

Ok, eu também acho lindo e batalho diariamente por tudo isso. Mas como meu lugar é no front sempre, sei que nem tudo são flores e que para a mágica acontecer é preciso de um monte de ingredientes raros.

É por isso que estou sempre aqui, nesta revista e nos meus podcasts na internet batendo na mesma tecla: tecnologia por si só não garante nada. Nosso trabalho não são bits e bytes, nosso trabalho é tornar a vida das pessoas mais plena, mais rica, mais fecunda. Nossa grande questão é COMO ser relevante, COMO ser útil, COMO conquistar a confiança e COMO trazer à tona o melhor de cada um de nós.

Nós não estamos desenhando interfaces, apenas. Nem estamos programando aplicativos. Estamos abrindo novos horizontes para a experiência humana.

E como tornar a vida humana mais digna através do nosso trabalho diário? Eu respondo: fazendo as perguntas corretas. E o melhor começo, como já disse em outras ocasiàµes, é perguntar… COMO.

Ao invés de perguntar:
– Que funcionalidades, conteúdos e serviços eu devo entuchar nesse site?

Pergunte:

– Como o usuário resolve seus problemas?
– Como podemos ajudar o usuário a resolver seus problemas?
– Como mostrar para o usuário que podemos ajudá-lo?
– Como facilitar a adoção do que estamos oferecendo?
– Como podemos ajudar o usuário a se sentir mais autà´nomo, mais seguro, mais pleno?
– Como vamos saber se o usuário está ou não satisfeito?
– Como podemos transformar o usuário em um advogado da nossa marca?

E por aí vai.

Querem ver um bom exemplo? Gracenote. Quando você coloca um CD e o iTunes reconhece o álbum, faixas e letra é porque ele consultou o serviço da Gracenote, que tem um banco de dados de dezenas de milhàµes de músicas, e apresentou para você a informação necessária. A Gracenote é quase invisível, discretíssima, mas é fantástica.

Ouvi uma entrevista com eles num podcast. Os planos são bárbaros: no futuro você vai ter dezenas de milhares de músicas no aparelho do teu carro, mas para escolher o que ouvir (sem atropelar ninguém) vai bastar dizer “quero ouvir Rolling Stones”. Essa instrução vai gerar uma busca na Gracenote que vai gerar uma playlist para você. Ou você dirá: quero mais músicas desse tipo aí, e a Gracenote vai gerar uma playlist bacana.

Lembrou de um trecho de uma canção? Diga o refrão e a Gracenote te dirá que música é. Está tocando uma canção no rádio e você gostou? Coloque o seu celular próximo do alto-falante, aperte um botão e a Gracenote vai reconhecer que música é e te dar a ficha completa.

A Gracenote é um site? Não necessariamente. Um software? Mais do que isso. Mas uma coisa a Gracenote faz: ela torna nossa relação com a música muito mais rica, mais fecunda, mais humana.

Eles fizeram as perguntas certas. E a resposta só pode ser um mundo melhor.

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