What the #FFFFFF???

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Seja você pardo, negro, amarelo, albino, uma coisa é igual a todo mundo: o seu branco é maior que o dos outros. Beeeem maior. É o que você acha, pelo menos. Todos achamos.
O meu branco, nesse exato momento, são uns 4000 caracteres numa página em branco do Word. O seu pode medir 468 pixels por 60. O do artilheiro pode ser uma esfera na grama diante do olhar de duas nações no final da copa do mundo. O do Heródoto Barbeiro (estou ouvindo agora), âncora da CBN, é um minuto livre sozinho diante de um microfone pequenino.
Cada um tem o branco que merece. E cada um sabe onde lhe dói o branco.
Tive a felicidade de assistir outro dia a uma palestra da turma do Colletivo (www.colletivo.com.br). Genial o trabalho dos caras, genial. São tão geniais que a cada hora encaram um branco diferente: uma lata de Pepsi, uma vinheta da ESPN americana, uma fachada de loja, uma parede gigante dentro de uma agência bacana. Um branco maior que o outro.
Mais genial do que tudo isso não é o que colocaram nos brancos, mas como. E de onde. Por isso foi bom ouvi-los, porque se eu visse os trabalhos em si eu não poderia adivinhar como foram feitos nem de onde veio a inspiração. Eu os ouvi e gostei do que ouvi: “como” fazer aquilo não é questão de ferramenta, mas sim de conceito, de discussão, de criação, de idéia. Ferramenta vem depois. O “de onde” vem de todo lugar: ouvir coisas novas, ver coisas antigas, descobrir o insuspeitado, explorar e experimentar e aumentar de maneira sistemática o repertório visual, sensorial, afetivo, intelectual.
Ou vocês achavam que gênios tiram coisas do nada? Tiram, mas o nada deles é bem maior que o nosso.
Procure pelos primeiríssimos desenhos escolares do Picasso. São estudos clássicos, altamente técnicos, realistas no último, coisa de Michelangelo. Ele precisou aprender o clássico para um dia poder desenhar uma pombinha num rabisco só. O nada do cara era toda a arte do Ocidente, África e Japão.
Anos atrás (doze?) um amigo entregou os pontos: não conseguia criar um layout decente praquele cliente X (digamos Brasetal, palavra que espero não existir). O cara pediu arrego, já era a enésima refação e o cliente rejeitava tudo.
– Não consigo, desisto.
– Você é um designer… você não consegue criar coisas do nada?
– Meu nada não inclui a Brasetal.
Isso aconteceu, juro. Eu estava lá. Quase morri de rir, e até hoje me lembro da cena.
Qual o tamanho do seu nada?
Quantos livros você já leu? Quantas exposições você vai ver esse mês? Qual foi a última vez que você foi para um lugar pela primeira vez? Quantos amores você teve? Quantos bairros da cidade você conhece? Quantos canais diferentes você assiste?
Durante anos eu pratiquei brancos diariamente. Toda manhã um branco novo. Escolhia uma foto minha e reservava dez minutos para escrever algo do nada. Todo santo dia, por anos e anos, eu explorei meu próprio nada, jogando pedrinhas no meu vazio para ver quão fundo ele era, jogando pedrinhas pra registrar o eco em algumas palavras.
Outro dia resolvi juntar esses anos e anos de exercício disciplinado numa única página. Se quiser passear pelos meus nadas fique à vontade, estão todos num branco só de 640×480 em www.usina.com/solo. Sim, coube tudo lá. Usei uma tecnologia de branco infinito e profundo (e não, não é alvejante nem sabão não)
Ok, você vai provavelmente achar que já é aberto e atento e aventureiro o suficiente, que sua vida também é uma zona, mas eu te garanto: quando a gente pensa assim é porque está numa outra zona, numa zona… de conforto.
Zona de conforto inclui usar sempre a mesma ferramenta, falar sempre com as mesmas pessoas, acompanhar sempre os mesmos twitters, ir sempre aos mesmos lugares, só sair com gente igual a você. Zona de conforto é viver dentro de um útero gostoso de certezas, é resistir diante de mudanças como se fossem um parto.
Depois você não consegue parir nada e não sabe por quê.
Saudade do Chico de Assis. Por onde anda o velho mestre? Ele dizia sempre: caminhos conhecidos levam aos mesmos lugares. Grande Chico, mestre supremo em tirar qualquer um da sua zona de conforto. A ele minha perpétua e crescente gratidão.
E lá se foram meus 4000 caracteres. De nada 😉

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