Sim, estou falando contigo. Responda.
Assustou? Então falemos de outra coisa enquanto você pensa. Para a conversa ficar mais interessante, aventuremo-nos no arriscado território do infalável. Eu quero falar sobre Querer.
“Eu quero falar” é bem diferente de “eu gostaria de”. Se eu quero eu quero, não tem por quê colocar num subjuntivo açucarado. Eu quero. Nem é questão de desejo, é vontade mesmo. Desejar é passivo: você depende de algo externo que lhe desperte o desejo, seja uma barra de chocolate ou um sex symbol qualquer.
Querer não, querer é coisa minha. Só eu sei o que quero. Se você quiser algo diferente, por favor coloque suas cartas na mesa.
OK, não é fácil. Expressar o que eu quero vai contra uma vida inteira aprendendo polidez, etiqueta, protocolos sociais, respeito, etc. Em algumas culturas orientais pega muito mal expressar diretamente o que se quer. Parece falta de respeito, egoísmo, rudeza. Em algumas culturas ocidentais, por outro lado (planetariamente falando, inclusive), ou o cara se coloca abertamente ou ele é um hipócrita dissimulado.
Quer ver? Coloque os dois extremos numa negociação e os dois vão sair horrorizados com a barbárie alheia.
Questões culturais, contextos, situações políticas… tudo isso condiciona a maneira como expressamos nossos quereres. Existe uma situação, porém, onde temos que ser claros: design.
Eu me recordo até hoje de algo que li no prefácio de um livro-curso de Desenho Técnico: desenho vem de desígnio, e desígnio (obrigado, Houaiss) é “idéia de realizar algo; intenção, propósito, vontade”. Se a etimologia está correta eu não sei, mas ao menos coloca na mesa um ponto fundamental: design é querer.
Querer é um verbo que tem objeto sempre… e um sujeito. Pensemos num sujeito que acessa uma loja online. Se ele entrou no site, há varios quereres imagináveis:
– ele quer comprar um produto X da marca Y
– ele quer comprar um produto da categoria Z, seja de que marca for
– ele quer encontrar ofertas
– ele quer saber o que há de novo
– ele quer acompanhar o pedido que fez
… e por aí vai. A loja, por sua vez, tem seus quereres:
– quer vender
– quer que o usuário compre
– quer que o usuário deseje comprar outros produtos
– quer que o usuário compre sempre dela
– quer que o usuário ajude a divulgá-la
– quer conhecer melhor o usuário
– quer que o usuário se sinta seguro
– quer que o usuário se sinta satisfeito
– quer que o usuário se sinta bem-atendido
… e a lista continua. E eu pergunto:
– esses quereres todos foram colocados como itens sine qua non do projeto?
– O design contemplou tudo isso?
– O resultado final viabiliza esses quereres todos?
Cada pergunta dessas diz respeito a uma etapa diferente do design: planejamento, desenvolvimento, implementação. Depois que o projeto está no ar, não dá mais para querer uma coisa que não foi colocada expressamente na fase de planejamento. Se o layout que você encomendou veio diferente do esperado, será que você expressou corretamente o que queria? A busca do site funciona como o usuário espera ou o cliente queria que funcionasse?
Eu escrevi esse artigo porque queria deixar claro um ponto: ou aprendemos a expressar o que queremos e a lutar por isso, ou vamos ter dores de cabeça sempre. E isso ninguém quer, quer?