Design em revista

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Revista é bom.

Meu pai me conta que na sua infância no interior de São Paulo a
Seleções do Reader’s Digest era esperada com ansiedade. Tenho pilhas
de Wired que me recuso a jogar fora. E as Fast Company então? E a
Business 2.0? Pilhas.

Jornal ninguém guarda nem aguarda. Jornal simplesmente vem. Revista
não: ela surge, enfim, radiante e perfumada.

Não me pergunte por quê. Colorido o jornal é. Fotos jornal tem. O papel bom, será? O formato?

Pense nas revistas que você gosta. Esta aqui, por exemplo. Há algo nela que te agradou uma vez e você encontra de novo edição após edição: a profundidade dos artigos, o tone and manner, o mix de articulistas, os temas, e por aí vai. Se algum desses aspectos mudar, você vai estranhar: “o que aconteceu com esta revista? Ela não é mais a mesma”.

Revistas têm uma “cara” e isso não é por acaso. Em algum momento definiram seu perfil editorial, seu formato, seu público, e a cada edição um time profissional junta os elementos todos, cada um vindo de um lado, e costura o quebra-cabeças tão bem que a revista parece um bebê nascido de uma romântica noite de amor. E o parto, sofridíssimo? E a gestação tumultuada? Nem se adivinha.

Uma boa revista, assim como um bom site ou um bom produto qualquer, é uma boa experiência, uma experiência intelectual, tátil, visual, olfativa, afetiva, etc. A embalagem da vitamina é um horror, coisa que só o Wolverine abre? Ops, experiência ruim. Você teve dúvidas com o DVD mas o call-center te orientou direitinho? Experiência boa. Você clicou no link e o servidor deu pau? Experiência ruim.

Experiência é algo que vai além da guerra perpétua “é-lindo” x “funciona”: experiência vai desde o site até a embalagem, do preço camarada até aquele telefonema simpaticíssimo perguntando se você está feliz com a compra. Experiência engloba cada vez mais coisas.

OK, você é um especialista, e só te cabe fazer uma dessas coisas. O que vão fazer depois disso não te compete, certo? Nesta revista, por exemplo, meu papel é mandar um artigo decente no tamanho adequado no prazo correto, e ponto. Há outros colaboradores cuja função é ilustrar os artigos, enquanto um outro zela pela diagramação.

Se você é um especialista, por que se preocupar com a tal da experiência do usuário?

Simples: num projeto complexo ou você é parte da solução ou é parte do problema. Ponto.

A tal da experiência final só vai ser consistente e redonda se cada um dos colaboradores… colaborar. Não cumpriu o prazo? Não leu o briefing? Mandou fora da especificação? Sorry, mas mesmo que você seja o rei da cocada preta, que você tenha diplomas e prêmios, que você seja lin-do… você é parte do problema, e se não se corrigir a solução pode incluir… excluir você.

Fui direto demais? Fui pouco romântico? Então tá. Falemos de arte, então. Van Gogh, que tal?

Todos nós gostamos de Van Gogh. Atormentado, inspirado, impulsivo. Well, era o que eu pensava até ontem: numa matéria da Lúcia Guimarães descobri que o Van Gogh era, antes de mais nada, um desenhista extraordinário. Lindos, os desenhos. Ele desenhava em detalhe, inclusive, os quadros que planejava pintar. Planejava meticulosamente.

Por essa você não esperava, não? Você não imaginava que esse artista genial planejasse e concebesse de antemão, rascunhasse, refizesse.

Pois é, fomos enganados. Alguém nos convenceu que genialidade é improviso, é inspiração, nasce por arroubos criativos, que rigor e método é coisa pra quem não tem talento. Balela: Picasso dominava as técnicas clássicas, Beethoven rabiscava as partituras, os acrobatas do Cirque de Soleil se esfalfam o dia inteiro para poder dar uma pirueta graciosa.

Anos atrás me pediram para não cobrar de criativos que cumprissem prazos, que respeitassem cronogramas, que lessem todos os emails. Criação é jardim-de-infância?, eu retruquei. Se eu fosse um de seus criativos, ia me sentir tratado como um bocó.

(Jardim-de-infância, aliás, é um dos primeiros casos notórios de experience design: dê uma olhada no sempre excelente Boxes and Arrows (http://www.boxesandarrows.com )).

Voltando aos acrobatas: circo só é mágico porque não há mágica, há suor e compromisso.

E não me venha com truques. 😉

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