Diário de Bordo

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San Francisco, Califórnia
– Vocês estão procurando algo? Posso ajudá-los?
Tirei meus olhos do mapa amarrotado e ali estava ele, sorridente. Perguntei por uma casa vitoriana XYZ que deveria ficar nas imediações. O moço a conhecia sim, era na rua de cima à esquerda, coisa simples. Agradeci pela solicitude e hospitalidade e pensei comigo: esse cara é o Google 2.0.

Miami, Flórida
Vishal me deu uma carona. Veeranna também veio conosco. No carro, comentávamos felizes o jantar indiano comme il faut que Lalitha nos oferecera. Perguntei ao Vishal se ele gostava da cidade, se ele gostava da América. Enquanto dirigia pela noite tranqüila, me disse que tanto fazia Miami, San Diego ou qualquer outra cidade, dava mais ou menos na mesma. Encontrar lugar para morar, achar trabalho, fazer compras, dirigir, tudo na vida cotidiana era o mesmo, tudo funcionava igual. “Sistema americano” foi a palavra que ele usou. Você pode mudar de cidade sem pestanejar, porque o sistema é o mesmo. Insisti: “vocês não estranham nada?”.
– Claro! As maçanetas. Aqui são ao contrário!
Rindo, Veeranna acrescentou:
– Os interruptores também! Aqui são de cabeça para baixo!

São Paulo
– Rua Manoel Maria Tourinho? Deixa comigo.
Pacaembu eu conhecia bem. Aquilo era um labirinto, ruazinhas sinuosas serpenteando bairro adentro num traçado perverso que eu só aprendi depois de anos morando na área. De casual, porém, o desenho do bairro não tinha nada: foi um truque urbanístico para que as ruas não virassem um corredor de tráfego, para que as casas ficassem sossegadas numa ilha impenetrável aos motoristas de fora.

Adoro cidades. Adoro. E quanto mais eu trabalho no digimundo, mais eu vejo que estamos de novo erguendo cidades, metrópoles, bairros, malls… sem tijolo algum. Cidades Invisíveis, do Calvino, está ganhando um adendo. (Você não leu? Leia. Releia.)

Esse paralelismo cidades x internet me fascina faz um bom tempo. A primeira coisa que me ocorreu foi mais pobre, porém: pensava no quanto webdesign e arquitetura eram parecidos: a home e a fachada, o sitemap e a planta, e por aí vai. Não é de se espantar que se fale em arquitetura de informação, afinal.

A analogia não ajuda muito, porém: se você quiser fazer sua casa redonda, é problema seu. O vizinho fez uma palafita? Azar o dele. A casa em frente vai ser inteira cor-de-rosa, paredes e teto? Sorte sua que você não vai morar lá.

Muito do que se fez de webdesign, no começo, era assim: cada site era a cara do dono, cada site era original, homes competiam em originalidade e impacto.

Algo, felizmente, nos salvou desse festival de bizarrices. Google. E por três razões.

Primeira razão: sites demais. Antes dava para “navegar” a esmo, checar alguma lista de hot links e topar com o que você queria. Agora não dá mais.

Segunda razão: se o conteúdo do teu site é invisível para o Google (arrá!!! Quem mandou fazer em flash?), teu site vai passar batido, a menos para internautas paranormais.

Terceira razão: uma busca no Google traz dezenas de resultados. Se tua página for bizarra, se não for imediatamente compreensível e usável, o usuário clica, rejeita, volta atrás e tenta outro mais fácil.

Adeus condomínios fechados. Adeus aldeiazinhas e tribos. Adeus ilhas da fantasia. Google é o novo Robert Moses do digimundo. (Não sabe quem é? Confira… no Google)

Hoje não penso mais em arquitetura. Hoje penso em urbanismo. Na minha cabeceira, hoje, está Vida e Morte das Grandes Cidades, da Jane Jacobs. Meus assuntos de interesse, hoje, são softwares sociais, padrões emergentes e, como sempre, usabilidade.

Cidades são complexas. Cidades são imprevisíveis. Cidades desafiam qualquer tentativa de controle. Internet é igual: o email favelizou-se, sites de banco são fortalezas anti-fraude, o Orkut já não é mais “entre amigos”, homes são pichadas por vândalos.

Como evitar que a internet degenere? Como criar ambientes online que sejam dignos, que enriqueçam a vida das pessoas? Como tornar a vida digital mais humana? Como usar esse universo em favor da democracia e liberdade? Como desarmar o egoísmo para que a colaboração floresça?

Essas são as questões que eu me coloco hoje, seja ao esboçar um novo projeto, seja na escolha de um ou outro layout, seja na hora de comprar um gadget. É isso que me orienta quando modero uma comunidade.

Pensar grande não é pensar pirâmides ou monumentos. Pensar grande é pensar em como manter as calçadas do digimundo gostosas, seguras, e plurais.

Essa é a nossa natureza.

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