Inspire Fundo

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Quando vejo uma aula de spinning, daquelas em que um esquadrão de bicicletas voa baixo sem sair do lugar sob o empuxo furioso de corpos empapados em suor ao som de música infernal, sempre lembro que em alemão “Spinnen Sie?” quer dizer “você está maluco???”.

Ok, não escondo: não é só com relação à Academia com “A” maiúsculo que tenho problemas… Quando o assunto é academia com “a” minúsculo e shorts idem tenho calafrios com C maiúsculo. Assumo.

Até hoje não entendi bem o que me pega de mau jeito em academias. A música de fundo? Coloco meus fones, ligo meu player e… fico desconfortável do mesmo jeito. Aquele monte de máquinas à la Inquisição Espanhola versão-digital-cromada? Os semi-deuses desfilando? Os espelhos, o branco polar nas paredes e chão, os televisores cada um em um canal igualmente chato?

Não é isso não. Já tirei os óculos (meu truque pra aplicar Gaussian Blur na realidade à minha frente) e continuei deplacé. Há que ser outra coisa. Tenho que descobrir e tratar de por meu coração em forma.

Hmmm… talvez seja essa a pista que faltava: o coração.

Não sei quanto a você, mas meu coração não é só músculo. Meu coração é maior que o peito, meu coração tem fome, meu coração transborda e gela e paralisa e todo dia me sai pela boca, meu coração é o centro em torno do qual gravita o melhor de mim. Não quero tratá-lo como um glúteo ou bí­ceps, não quero medi-lo como uma máquina, não quero ouvi-lo dizer apenas tuntum.

Em academias todos sorriem, mesmo sob tortura indisfarçada. Será que é disso que tenho medo, de perder contato com aquilo que me corre nas veias, com aquilo que me inspira, com aquilo que me apavora? Eu quero me tornar humano, demasiadamente humano, e não um impávido goleiro de pebolim. Oras bolas.

Well, o que isso tem a ver conosco? Simples: gente é gente. Usuários são gente. Usuários têm coração. E muitas vezes parece que esquecemos isso.

Façamos um exercí­cio (argh!) rápido, então:

– Gente tem medo
– Gente tem preguiça
– Gente tem pressa
– Gente tem vergonha
– Gente tem nome e sobrenome
– Gente tem interesses
– Gente é egoí­sta
– Gente é generosa
– Gente tem amigos
– Gente muda
– Gente fala
– Gente lembra
– Gente esquece
– Gente sai do banheiro sem dar descarga
– Gente é aparecida
– Gente quer privacidade
– Gente é impaciente
– Gente é tudo diferente
– Gente produz
– Gente tem orgulho do que faz
– Gente tem preconceito
– Gente vira bicho
– Gente joga pesado
– Gente cansa
– Gente enjoa
– Gente ri
– Gente é infiel
– Gente é fanática
– Gente tem muuuuuito mais o que fazer

A lista não pára mais, é só questão de fôlego. Pra alongar em outra direção:

– Gente não é besta
– Gente não compra gato por lebre
– Gente não quer vender a alma pro diabo
– Gente não quer se sentir presa
– Gente não quer saber de problema
– Gente não acredita em papo
– Gente não confia
– Gente não tem lugar na vida delas para você

Se você leva em conta desde o iní­cio que a bicicleta da internet só anda porque tem gente pedalando, corre muito menos risco de criar projetos absolutamente lindos… mas que não apaixonam ninguém. E, o que é pior, vai ficar transtornado por ver um concorrente feiinho e desconjuntado fazendo um sucesso inexplicável com milhões de pessoas.

“Mas ele é tão feio! Ele não tem fôlego algum, tropeça a cada dois passos… Como pode?”

Pois é: mesmo no mundo do silicone e botox e lipo-aspiração, o segredo não é ser lindo, o segredo é ser gostoso. E “gostoso” é algo indefiní­vel, algo que fita métrica não mede, nem balanças, nem aquela pinça horrorosa pra medir gordura no corpo. Gostoso vai além do layout ou de funcionalidades. Gostoso tem a ver com jeito. Ok, jeito também é indefiní­vel.

Se o segredo é algo nebuloso e que envolve um mix de fatores, o que fazer? Acender uma vela e rezar pra acertar no chute?

Minha dica: o segredo é que pessoas também são múltiplas, inconstantes, pessoas não se enquadram num rótulo único.

Exemplifiquemos, então. Teu público é, digamos… gente de tecnologia? Pois bem, gente de tecnologia também se diverte, também tem amigos, também gosta de música, também tem signo, também tem vaidade, também fotografam. Idem para financistas. Ibidem para publicitários. Se você fizer o teu produto considerando só um lado dessas pessoas, se você rotulá-las, vai ter uma adesão sofrí­vel.

Pense nos produtos que você mais curte. Veja-os com outros olhos: eles certamente te dão liberdade de escolher o que ver, quando ver e como ver. Eles te dão liberdade de construir tua própria rede de relacionamentos. Eles te dão liberdade de descobrir pessoas novas com gosto parecido com o teu. Eles permitem que você tenha nome, sobrenome e voz. A vida fica mais gostosa com eles.

Não é assim?

Pense sempre nas coisas que inspiram. Inspiração não é só coisa de ginástica: sem inspiração eu expiro.

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