Lenda Viva

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A lenda é mais ou menos assim: na legendária aula inicial, o grande mestre distribui a seus discípulos (todos novatos) folhas de papel e diz “Construam”. E sai.

O desafio era heróico. A escola era, afinal, lendária, seus professores idem, e muitos do que saiu dali (homens e idéias) mudariam o mundo.

Quando o mestre volta há uma torre Eiffel de papel, uma catedral gótica de papel e… algo inusitado: um grupo dobrou uma folha em V, inverteu-a e a apoiou na mesa, como uma tenda. Comparado aos outros projetos, é quase uma afronta.

O mestre disse:

– Catedrais góticas são o apogeu da pedra. É a construção mais luminosa, mais vertiginosa que jamais se fez em pedra. A torre Eiffel, por outro lado, é o triunfo do ferro: só quando dominamos os segredos do ferro pudemos fazer uma estrutura assim. Já essa tenda de papel, tão singela, explora aquilo de que só o papel é capaz: ser dobrado com as mãos e sustentar sua forma com leveza e graça.

Os outros dois grupos tentaram usar o papel para imitar outros materias. Já esse grupo entendeu a natureza do papel e a expressou com perfeição.

Não sei se você já pensou nisso, mas quando se começa a trabalhar com internet o que te jogam na mão é mais delicado que papel: um “material” tênue, flexível, quase transparente. E aí, o que dá para fazer com isso?

Assim como com o papel da lenda, dá para se fazer muita coisa, sobretudo besteiras. Nos primórdios, quando conexão de 28k era um luxo, já se faziam shockwaves elaborados, streaming video, audio, games em java… Imagine, então, quando tivermos banda larga, pensava-se.

Em pouco tempo “construir” passou a ser… usar flash. Que maravilha! Originalidade, impacto, complexidade, tudo isso sem pesar as toneladas de antes. Agora sim estávamos fazendo coisas “interativas” sem ter que esperar pela terra prometida… da banda larga.

Assim como o guru da lenda, eu já fazia meus apartes: coisas pesadonas assim, imersivas, multimídia, são usos pobres dessa novidade. Isso CD-ROM já fazia, TV já fazia, rádio já fazia… e melhor. Usar internet pra isso é fazer catedrais de papier-maché, é usar internet como cano estreito para despejar conteúdo. E sonhar com banda lardar era ficar fascinado com o dedo que aponta a lua, e não ver a lua.

Um dia os Google’s, Yahoo’s, Radio Userland e Orkut’s da vida nos deram um tapa na cara dizendo “acordem, manés”. Diante de nossos olhos estavam enfim usos inteligentes, bem-bolados, elegantes de tudo aquilo que esse nosso papel hiper-dobrável era capaz de fazer.

Mas afinal… do que esse nosso papel é capaz?

Ele é capaz, sobretudo, de criar pontes. No nosso ofício, só cria ilhas quem quer ou está mal-informado. E, claro, só está mal informado quem quer.

Aprender a lição desses mestres não é fácil não.

Por exemplo: RSS. Eu demorei um bom tempo para entender que diabos era isso, mas hoje todos os meus blogs estão compatíveis. Idem para podcasting: meu audioblog também está preparado. Quem quiser acompanhar o que eu publico, é só usar um bom leitor de RSS (tem pra windows, mac, pocketpc, palm…).

Pra descomplicar: RSS é uma maneira de você disponibilizar conteúdo. Eu publico um post no meu blog, e automaticamente ele gera um arquivinho com um resumo do que eu publiquei. Esse arquivinho sempre “fresco” pode ser lido e importado de um monte de jeitos. Se você usa o blogger, ou usa o movable type, ou muitas outras soluções de publicação, elas geram RSS automaticamente. E para você acompanhar vários RSS ao mesmo tempo, eu sugiro o Awasu, gratuito e legal (www.awasu.com)

Uma vez que meus blogs e coisas online todas estavam compatíveis com RSS, criei uma página que mostra de uma só vez, automaticamente, as últimas novidades de todos os meus blogs. Eu publico uma foto nova? Aparece lá. Um post novo? Idem. Quem quiser ter uma visão geral do que eu ando fazendo, vê tudo no www.usina.com/varal.

Mais: quem quiser inserir no seu próprio site chamadas para o que eu publico, é só usar meus RSS também.

Quer ver quem faz isso em larga escala? O Yahoo. A home do My Yahoo permite você adicionar blocos de conteúdo de outros sites. Basta eles gerarem… RSS. Veja o site da BBC. CNN. Veja o site… da MSN. Todos eles tem um linkzinho em algum lugar para o RSS. Veja que belo esforço o do projeto RSSficado (http://www.rssficado.com.br )

Eu fico encantado: conteúdo sendo distribuído e publicado e trocado e disponibilizado automaticamente, seja para que plataforma for, seja para que sistema for. Pessoas misturando conteúdos de todo canto, pessoas disponibilizando seu trabalho em todas as direções. A tal da web finalmente começa a ter cara de… spider web.

Procure descobrir mais sobre RSS. Aventure-se, explore. Vale a pena.

Voltando à nossa lenda: a escola era a Bauhaus em Weimar, Alemanha. O mestre? Josef Albers. Quando? Lá se vão oitenta anos mais ou menos. O prédio em que você está, a cadeira em que você se senta, tua caneta, muito do nosso repertório cotidiano vem de lá. Pesquise na Wikipedia, vale a pena (www.wikipedia.org , outro belo projeto colaborativo).

Gosto muito dessa lenda. Lenda boa é assim: não tem gnomos, princesas nem bruxos. Lenda boa tem homens, coragem e, sobretudo, a esperança de um final feliz para muita gente. Isso sim é mágico.

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