(artigo publicado na revista webdesign)
Pois é, boa pergunta. Lá se foi mais um ano. Lá vem outro. Lá vem mais tecnologias, gadgets, buzzwords, modinhas, web-lebrities… Onde vamos parar?
Bom… pelo menos eu sei onde EU vou parar: daqui a uns 5900 caracteres mais ou menos, senão vou estragar o dia do diagramador da revista.
É bom saber que espaço eu tenho disponível. Eu trabalhava em TV antes, e quando alguém te dava um monte de material bruto pra transformar em algo editado decentemente, a primeira pergunta sempre era (e vai ser sempre): tem que ficar com quanto tempo?
Esse vício profissional me marcou muito, e até hoje minha primeira pergunta em eventos e palestras é: quanto tempo eu tenho? 10 minutos? 5 horas? É só dizer e eu me adéquo e ocupo aquele tempo de maneira estruturada. Com o tempo virei um gás: ocupo todo o espaço que eu tiver disponível.
É interessante essa questão de limites. Quando a gente é novinho acha limite um horror. Queremos prazer sem limite, diversão sem limite, queremos ficar com todas as meninas num raio de 10km, queremos provar todas as substâncias fortemente etílicas, queremos queremos queremos. Só não queremos limite algum.
Well, tecnologia não tem limites, é o que parece. A internet, então, mais sem limites ainda. Se há algum limite é a nossa imaginação. E aí eu trago duas notícias, uma boa e uma ruim.
Primeiro a boa: imaginação não tem limites. Quer ver: imagine um poste bêbado andando na corda-bamba dos fios elétricos usando um orelhão como sombrinha. Well, q.e.d: você imaginou um delírio completo : )
Vamos então à má notícia: imaginação não tem limites. E isso é ruim, porque nós temos limites. Teu corpo tem limites. Teu coração tem limites. Teu afeto tem limites. Limites que não são ruins, que não são opressivos, são limites que fazem parte do que nos define como humanos.
Se a imaginação e a tecnologia não têm limites e nós temos, Houston we have a problem. Podemos muy facilmente dar um tiro no pé.
Quer ver um exemplo? Email. Quantos emails você gostaria de receber por dia? Agora divida isso pelo número total que você recebe, incluindo spam, newsletters, promoções, etc. Algo me diz que o resultado é cruel.
Culpa de quem? De quem te mandou email à toa? Ou culpa do design mesmo da solução que permite soterrar alguém sem nenhum ônus? Se 150 pessoas quiserem sentar pra conversar com meu chefe não vão conseguir, primeiro porque a sala dele tem poucas cadeiras e segundo porque o cara tem muito mais o que fazer. Eu mesmo, quando quero falar com ele, me levanto, olho pra ver se ele está ocupado e, se estiver, espero outra ocasião. Email não faz isso, email vem que vem e não quer nem saber do resto.
Outro exemplo: redes sociais. Quantos amigos cabem na sua lista do Orkut ou do Facebook? Zilhares. De quantos amigos você consegue dar conta? Quantos deles efetivamente são relevantes pra você? O que você vai fazer com uma enxurrada diária de informação prosaica sobre zilhares de pessoas que você não convive?
Outro exemplo: Twitter. Já vi gente acompanhando centenas de twitters. Dá? Eu reduzi drasticamente meu número, e descartei os compulsivos que blogam seu dia inteiro como um log de servidor. Argh.
Outro exemplo: comentários. Se teu blog fizer furor e houver dezenas, centenas, milhares de comentários por dia, como você dará conta? E se teus leitores fiéis começarem a cobrar de você mais dedicação, mais posts, mais tudo?
Outro exemplo: algum colega/chefe/concorrente/rival/ex-namorada/candidata-a-namorada fuça nas tuas comunidades online e descobre que você fica tarado quando bebe. Céus, como pode??? Well, pode. Tá lá no teu perfil pra todo mundo ver. Você simplesmente ignorou que existem limites sim entre o público e o privado. Se pra você não há ou se você acha que não deveria haver limites de nenhum tipo, well, repense.
Outro exemplo: eu descubro o teu nome e faço uma busca. O que vai aparecer ali? Notas do seu boletim do ginásio? Um post de uma ex-namorada blogueira rancorosa? Um homônimo teu que fotografa pra revistas eróticas? Pois bem, tudo pode aparecer ali, até o que nem é você.
Limites existem. Muitos são tolos, arbitrários e merecem uma boa martelada pra ver se quebram (é o método do Nietzsche). Outros, porém, têm razões, têm história, têm valor, são um mapa, uma cartografia que define o que você é, o que são teus afetos e o que é teu mundo.
Muitos limites meus eu só descobri depois de quebrá-los: meus limites físicos, meus limites mentais, meus limites amorosos… Hoje estou num processo artesanal de remontar meu quebra-cabeça e ver quais peças se encaixam onde e tentar enxergar melhor o mapa do que eu sou e do que eu posso.
Desenhar experiências é desenhar o que é possível, é desenhar o contorno do que pode ser feito e como. Design é ao mesmo tempo romper limites obsoletos mas também definir os limites do que se espera e deseja, é criar limites que vão condicionar o que é possível.
Urbanistas desenham bairros e cidades de modo a limitar algumas coisas e fomentar outras. Quando o automóvel prometia ser a revolução libertadora, urbanistas desenharam cidades que limitavam a vida do pedestre em favor da liberdade dos carros. Brasília é assim, feita pra carros. Hoje sabemos que a saúde de um espaço público depende imensamente da sua ocupação por pedestres e transeuntes. Onde há vida civil nas calçadas reina a civilidade. Quando as pessoas abandonam as ruas, tudo degringola.
No digimundo estamos passando por uma mudança parecida com essa dos automóveis versus pedestres: estamos redescobrindo que somos humanos, que temos valores, que temos – cada um de nós – nossos próprios microcosmos de afetos e pessoas e de tempo. Estamos descobrindo o valor dos nossos cantinhos, do nosso tempo real, o valor da nossa privacidade. o valor da experiência concreta, o valor valorosíssimo de termos controle sobre quem e o quê pode entrar naquele círculo bem desenhado da nossa vida pessoal. Estamos redescobrindo que não somos máquinas nem avatares nem ficção científica. Somos gente viva, vivendo no espaço e no tempo.
E os limites do meu tempo, do meu espaço e do meu afeto são sagrados. Defenda os teus. Desenhe bons limites
Pois é, boa pergunta. Lá se foi mais um ano. Lá vem outro. Lá vem mais tecnologias, gadgets, buzzwords, modinhas, web-lebrities… Onde vamos parar?
Bom… pelo menos eu sei onde EU vou parar: daqui a uns 5900 caracteres mais ou menos, senão vou estragar o dia do diagramador da revista.
É bom saber que espaço eu tenho disponível. Eu trabalhava em TV antes, e quando alguém te dava um monte de material bruto pra transformar em algo editado decentemente, a primeira pergunta sempre era (e vai ser sempre): tem que ficar com quanto tempo?
Esse vício profissional me marcou muito, e até hoje minha primeira pergunta em eventos e palestras é: quanto tempo eu tenho? 10 minutos? 5 horas? É só dizer e eu me adéquo e ocupo aquele tempo de maneira estruturada. Com o tempo virei um gás: ocupo todo o espaço que eu tiver disponível.
É interessante essa questão de limites. Quando a gente é novinho acha limite um horror. Queremos prazer sem limite, diversão sem limite, queremos ficar com todas as meninas num raio de 10km, queremos provar todas as substâncias fortemente etílicas, queremos queremos queremos. Só não queremos limite algum.
Well, tecnologia não tem limites, é o que parece. A internet, então, mais sem limites ainda. Se há algum limite é a nossa imaginação. E aí eu trago duas notícias, uma boa e uma ruim.
Primeiro a boa: imaginação não tem limites. Quer ver: imagine um poste bêbado andando na corda-bamba dos fios elétricos usando um orelhão como sombrinha. Well, q.e.d: você imaginou um delírio completo : )
Vamos então à má notícia: imaginação não tem limites. E isso é ruim, porque nós temos limites. Teu corpo tem limites. Teu coração tem limites. Teu afeto tem limites. Limites que não são ruins, que não são opressivos, são limites que fazem parte do que nos define como humanos.
Se a imaginação e a tecnologia não têm limites e nós temos, Houston we have a problem. Podemos muy facilmente dar um tiro no pé.
Quer ver um exemplo? Email. Quantos emails você gostaria de receber por dia? Agora divida isso pelo número total que você recebe, incluindo spam, newsletters, promoções, etc. Algo me diz que o resultado é cruel.
Culpa de quem? De quem te mandou email à toa? Ou culpa do design mesmo da solução que permite soterrar alguém sem nenhum ônus? Se 150 pessoas quiserem sentar pra conversar com meu chefe não vão conseguir, primeiro porque a sala dele tem poucas cadeiras e segundo porque o cara tem muito mais o que fazer. Eu mesmo, quando quero falar com ele, me levanto, olho pra ver se ele está ocupado e, se estiver, espero outra ocasião. Email não faz isso, email vem que vem e não quer nem saber do resto.
Outro exemplo: redes sociais. Quantos amigos cabem na sua lista do Orkut ou do Facebook? Zilhares. De quantos amigos você consegue dar conta? Quantos deles efetivamente são relevantes pra você? O que você vai fazer com uma enxurrada diária de informação prosaica sobre zilhares de pessoas que você não convive?
Outro exemplo: Twitter. Já vi gente acompanhando centenas de twitters. Dá? Eu reduzi drasticamente meu número, e descartei os compulsivos que blogam seu dia inteiro como um log de servidor. Argh.
Outro exemplo: comentários. Se teu blog fizer furor e houver dezenas, centenas, milhares de comentários por dia, como você dará conta? E se teus leitores fiéis começarem a cobrar de você mais dedicação, mais posts, mais tudo?
Outro exemplo: algum colega/chefe/concorrente/rival/ex-namorada/candidata-a-namorada fuça nas tuas comunidades online e descobre que você fica tarado quando bebe. Céus, como pode??? Well, pode. Tá lá no teu perfil pra todo mundo ver. Você simplesmente ignorou que existem limites sim entre o público e o privado. Se pra você não há ou se você acha que não deveria haver limites de nenhum tipo, well, repense.
Outro exemplo: eu descubro o teu nome e faço uma busca. O que vai aparecer ali? Notas do seu boletim do ginásio? Um post de uma ex-namorada blogueira rancorosa? Um homônimo teu que fotografa pra revistas eróticas? Pois bem, tudo pode aparecer ali, até o que nem é você.
Limites existem. Muitos são tolos, arbitrários e merecem uma boa martelada pra ver se quebram (é o método do Nietzsche). Outros, porém, têm razões, têm história, têm valor, são um mapa, uma cartografia que define o que você é, o que são teus afetos e o que é teu mundo.
Muitos limites meus eu só descobri depois de quebrá-los: meus limites físicos, meus limites mentais, meus limites amorosos… Hoje estou num processo artesanal de remontar meu quebra-cabeça e ver quais peças se encaixam onde e tentar enxergar melhor o mapa do que eu sou e do que eu posso.
Desenhar experiências é desenhar o que é possível, é desenhar o contorno do que pode ser feito e como. Design é ao mesmo tempo romper limites obsoletos mas também definir os limites do que se espera e deseja, é criar limites que vão condicionar o que é possível.
Urbanistas desenham bairros e cidades de modo a limitar algumas coisas e fomentar outras. Quando o automóvel prometia ser a revolução libertadora, urbanistas desenharam cidades que limitavam a vida do pedestre em favor da liberdade dos carros. Brasília é assim, feita pra carros. Hoje sabemos que a saúde de um espaço público depende imensamente da sua ocupação por pedestres e transeuntes. Onde há vida civil nas calçadas reina a civilidade. Quando as pessoas abandonam as ruas, tudo degringola.
No digimundo estamos passando por uma mudança parecida com essa dos automóveis versus pedestres: estamos redescobrindo que somos humanos, que temos valores, que temos – cada um de nós – nossos próprios microcosmos de afetos e pessoas e de tempo. Estamos descobrindo o valor dos nossos cantinhos, do nosso tempo real, o valor da nossa privacidade. o valor da experiência concreta, o valor valorosíssimo de termos controle sobre quem e o quê pode entrar naquele círculo bem desenhado da nossa vida pessoal. Estamos redescobrindo que não somos máquinas nem avatares nem ficção científica. Somos gente viva, vivendo no espaço e no tempo.
E os limites do meu tempo, do meu espaço e do meu afeto são sagrados. Defenda os teus. Desenhe bons limites