Silêncios Esparsos

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artigo publicado no webinsider

Meses de silêncio, eu disse? Menti: nunca falei tanto. Se somar o que eu tagarelei nos últimos meses dava um compêndio ou, no mí­nimo, um dossiê psiquiátrico. Falei muito.

Você não ouviu? Não faz mal, eram delí­rios mesmo, idéias soltas que não tiveram força para mover meus dedos. Se fosse alguns séculos atrás valeria o verba volent, scripta manent, e as palavras voariam enquanto textos ficam.

As minhas palavras, porém, ficaram, voaram e se multiplicam nas asas do MP3, pousadas tranqí¼ilamente no Roda&Avisa, audioblog que foi minha válvula de escape nesses meses todos de abstinência articulí­stica.

Adorei a idéia. Achei que rich media seria uma maneira… mais rica de me expressar. Cada post improvisado, com seus sete minutos e pouco, continha muito mais elementos do que meras letrinhas e espaços em verdana font size 2.

Mais rico? Errei. Errei longe.

Riqueza mesmo não é timbre, timing, voz embargada. Rico mesmo é algo que só texto tem: entrelinhas.

Você me lê agora, e mesmo sem querer ouve uma voz, imagina um autor, me põe num cenário, e shazam! Eis um René tailor-made, exclusivo, personalizado, um René único entre inúmeros Renés diferentes, tão diferentes quanto são os leitores deste artigo.

Entrelinhas são a bruxaria do texto. Palavras são mera moldura: a natureza humana abomina o vácuo, e a imaginação é uma tapadora automática de buracos, completando elipses, preenchendo o não-dito, até que um bom slogan de meia linha vire um universo afetivo completo.

É por isso, talvez, que emails nos tocam fundo, que emoticons e abs e bjs e LOL nos sejam tão caros, tão vivos. Eles são caixinhas de entrelinhas, cápsulas de nada que enchemos com o carinho que precisamos tanto.

Texto a gente elabora, reescreve, repensa, e quando aquela colherada de letrinhas parte bits afora vai impregnada de humanidade, levando o melhor de nós. Voz não, voz vai saindo, voz trai a gente, engasga, desafina, e nunca vem a palavra correta, certeira, a palavra mágica.

Vejam os Orkuts, os Friendsters, os MatchMakers do digimundo: almas de todo canto compondo auto-retratos em letrinhas, mosaicos de fotos seletas, empacotando para presente o melhor de si, criando playgrounds para a imaginação alheia.

Linhas e entrelinhas e palavras são nossa teia, são com elas que capturamos uns aos outros. É nos vãos dessa trama que entretecemos sonhos comuns.

Eu não me iludo: metade do digimundo é fantasia. Mas me engana que eu gosto.

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