Viva a internet sem culpa

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Cabelo espetado? Não… Revolto? Não. Careca? Loiro? Moicano? Não, não, não.

Custou mas acabei encontrando algo parecido com meus cabelos
grisalhos. Pronto: meu avatar (a figurinha que escolhi para me
representar no Messenger) ficou mais fiel a mim mesmo. Meio jovial
demais, mais sorridente ainda do que o rené original mas tudo bem,
melhor que minha foto 3×4 clássica. Ao menos ele pisca 🙂

Com o tempo acostumei com esse eu-cover. Simpático, meu avatar. Mais
um pouco eu passo uma procuração para que ele me represente em tempo
integral. Reuniões chatas? Conference calls? Ir ao banco? Meu avatar
vai, ele tem carta branca.

Avatar não engorda, não acorda atravessado, não envelhece… Bárbaro, isso.

O mais fascinante nessa história toda é que essa mentirinha inocente,
essa fantasia digital pode ser mais autêntica e fiel do que minha foto
no RG. Fotos podem sair esquisitas, verdes, esbugalhadas. Fotos podem
congelar para sempre um dia em que você estava péssimo (meu
passaporte, por exemplo). Fotos podem destacar algo que você odeia:
nariz, pinta, testa…

Avatares mostram o melhor de mim. O que é ruí­do, o que é acidental eu
deixo de lado.

Será pecado isso? Eu acredito piamente que não.

Quando criamos uma experiência online, seja um site ou um produto de
internet, pensamos em uma série de coisas: o que o usuário quer
realizar, o que ele precisa fazer, o que o negócio necessita, qual a
maneira mais eficiente de se atingir um objetivo, e vamos pensando
pensando pensando até doer.

Se pensarmos tudo direitinho, vamos ter um produto funcional, redondo
e… provavelmente sem graça. E a tristeza de algo sem graça é que não
soa um alarme, não dá ERROR 500, não dá “bad, bad server”. Coisa sem
graça simplesmente não decola. E o que é mais enervante: coisas que
têm graça decolam como um foguete mesmo que tecnicamente sejam um
frankenstein.

Essa história de “Graça”, esse atributo intangí­vel e milagroso, sempre
me intrigou. Hoje, olhando para meu próprio avatar sorridente, tive
uma iluminação e quero compartilhá-la com vocês.

Antes de abrir o jogo, permita-me um foreplay rápido. Se você estudou
antropologia na faculdade deve ter ouvido falar em Mircea Eliade. O
cara escreveu livros muito interessantes sobre mitos, e essa história
toda de avatares e Graça me lembraram algo que li dele: muitas
culturas têm mitos de um tempo distante, onde a vida era mágica,
abundante, não havia doenças nem morte, um paraí­so mesmo. Alguma
desgraça acontece e o mundo descamba pra essa versão beta que todos
conhecemos: guerra, dor de dente, gente chata, tela azul, etc.

Pois bem: mesmo na era internética/nanotecnológica/espacial, uma parte
secreta em nós sonha com paraí­sos floridos onde não há regras nem dor,
cheia de alegria sem compromisso e prazeres sem fim (mais ou menos
como um camarote VIP de carnaval).

Eis aí­ o caminho da Graça: abrir as portas para o paraí­so. Como?
Permitir ao usuário momentos de descompromisso, deixá-lo esquecer por
um momento que existe jeitos certos ou errados de se fazer as coisas,
deixá-lo brincar sem consequências.

Os produtos e serviços online mais gostosos são aqueles onde somos
eternamente joviais mesmo que por algum tempo, onde criamos nossas
próprias regras mesmo sem conhecer as regras técnicas.

Instant Messengers permitem isso. Sites de relacionamento proporcionam
isso. Sites como Flickr.com permitem isso. Você cria seu próprio
mundinho e deixa o que é chato de fora.

Ok, eu sei e você sabe que algumas coisas em internet têm que ser
chatas: segurança, privacidade, detalhes técnicos. Têm mesmo?

Outro dia fui colocar usar meu avatar simpático como meu retrato num
site online. ERRO!!! “A imagem deve ter 128×128 pixels”. Têm mesmo?
Por quê? O que custava ter feito um sistema que aceita imagens de
qualquer tamanho e a redimensiona automaticamente? Por que deixar esse
tipo de armadilha no caminho do usuário leigo?

Nós sabemos quais são os pecados na internet, mas o usuário não. Ele
não precisa cair no inferno por ignorância.

Deixe o usuário cair em tentação, e livre-o do mal, amém. E que
milhões o acompanhem.

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