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As time goes by
(you must remember this)
Durante um bom tempo tive um chaveiro em forma de tubarão.
Era bonito o chaveiro. Perdi-o, e nem pensei em comprar outro igual.
Não queria mal-entendidos. Afinal, ele representava para mim o contrário
exato do que podia parecer. Eu tinha um tubarão comigo para lembrar-me
sempre do que não somos.
Tubarões são uma estratégia levada ao extremo, ao seu ponto de perfeição.
Essa máquina complexa é a tradução em órgãos do verbo caçar. E ponto.
Nada nele é supérfluo, nada é desvio. O tubarão é tubarão até as ùltimas
consequências, até a ponta de sua cauda. Enquanto o oceano for oceano
ele será tubarão, como vem sendo há milhões de anos.
No nosso design o conceito foi outro, revolucionário. Nada de garras
ou couraças, mas sim o dom de inventar modos de ser. Falando chinês
ou sueco, usando gravata ou quimono, pelados ou de farda, os humanos
criaram mundos à sua imagem. Somos plásticos.
Pero no mucho.
Há um mamífero muito peculiar dentro de nós. É ele que nos faz criar
"tribos", que nos faz definir e defender territórios e que
nos impele a amar. Foi agindo assim que esse animal sobreviveu a tudo,
e nos trouxe até aqui. Ele só sabe ser feliz assim. Contrarie esses
impulsos e veja nascer uma fera.
A cidade está aí para provar isso. Aguce os ouvidos e ouça bestas rugindo.
Criamos agora um mundo virtual, etéreo, impalpável, incorpóreo. E -
ironia máxima - os mamíferos estão adorando.
Não há porque ser defensivo quando mal se pode falar de territórios.
Ninguém é estrangeiro onde todos são estrangeiros. Quando todos têm
a mesma força e voz, não há como intimidar. A noção de sujeito implode
e o mamífero aplaude.
Preste atenção no seu corpo. Você vê garras? Espinhos? Escamas? Não.
Sua pele é lisa, fina, suas mãos são hábeis, e seu coração não quer
ficar vazio.
Seja mais mamífero, mesmo que virtualmente. É o primeiro passo para
deixar de ser besta.
Minha dica da semana é o site Last Word, onde a dúvida
de um é lição para todos, e onde ninguém tem a última palavra.
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